Artigos Técnicos

Quais raças de venturia inaequalis temos no Brasil?

A importância desse tipo de estudo é tão grande que desde 2007 foi estabelecida uma rede mundial de monitoramento da variabilidade de raças


A sarna da macieira (Venturia inaequalis) é uma das doenças mais graves da cultura da macieira no mundo, primordialmente nas regiões de clima temperado. Por esse motivo, essa doença é uma das mais estudadas, sendo que a especiação fisiológica do patógeno é uma das temáticas de grande importância na pesquisa científica fitopatológica na cultura da macieira. O primeiro trabalho de descrição de diferentes raças de sarna pelo mundo é de 1956, no qual Shay e Williams (1956) reportam as raças 1, 2 e 3. Depois, a raça 4 foi encontrada nos EUA em 1962 (SHAY et al., 1962), a raça 5 na Inglaterra em 1968 (WILLIAMS e BROWN, 1968), a raça 6 na Alemanha em 1993 (PARISI et al., 1993), a raça 7 na Inglaterra em 1994 (ROBERTS e CRUTE, 1994) e a raça 8 na Nova Zelândia em 2005 (BUS et al., 2005).

Já no Brasil, apenas um estudo de especiação fisiológica de V. inaequalis foi realizado por Schenatto et al. (2008), cuja pesquisa considerou a avaliação de apenas 9 isolados monoconidiais do fungo, obtidos em Vacaria/RS, Monte Alegre/RS, Cambará do Sul/RS, São Joaquim/SC, Bom Jardim da Serra/SC e Fraiburgo/SC. Embora tenha sido constatada apenas a raça 1 nos isolados em questão, os próprios autores não descartam a possibilidade da existência de outras raças do fungo nas regiões de plantio de macieira no Brasil. Os autores sugerem, ainda, que um trabalho mais amplo de investigação é demandado no Brasil.

Mas para que esse trabalho possa ser realizado, é necessário um conjunto de 18 cultivares diferenciadoras (Host Scab) específicas (BUS et al., 2008; BUS et al., 2010; DUNNEMAN e EGERER, 2010), cada uma delas portando genes específicos de resistência (Tabela 1). Nesse trabalho, cada cultivar diferenciadora é inoculada com os isolados do patógeno, e o padrão de reação da doença em cada planta é o que permite identificar qual é a raça do patógeno em cada isolado. A importância desse tipo de estudo é tão grande que desde 2007 foi estabelecida uma rede mundial de monitoramento da variabilidade de raças e da virulência dessas raças de V. inaequalis, cujo projeto foi fundado e é coordenado até hoje pelos pesquisadores Dr. Andrea Patocchi (Instituto Agroscope/Suíça) e Dr. Vincent Bus (Instituto Plant & Food Research/Nova Zelândia).

A Epagri é a única instituição Sul americana que faz parte dessa rede, tendo integrado o projeto em 2014, a partir de quando se iniciaram as tratativas de importação das cultivares diferenciadoras para o Brasil, pois parte das cultivares listadas não estavam disponíveis no Banco de Germoplasma de Macieira (BAG-Maçã) que também é mantida na Epagri/Estação Experimental de Caçador (EECd). Portanto, desde 2014, a Epagri vem tentando importar todo o conjunto de cultivares diferenciadoras (Host Scab), mas por terem sido identificadas pragas quarentenárias no material de propagação de plantas trazidas em tentativas anteriores o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) determinou a destruição de todo o lote de plantas na Estação Quarentenária da EMBRAPA/CENARGEN.

Novas tentativas de importação foram feitas diretamente da Suíça, onde se encontra o principal repositório de germoplasma dessas cultivares diferenciadoras. Finalmente, em Maio/2020 foi recebido o material de propagação de 15 dessas cultivares (Processo de Importação MAPA Nº 21016.000268/2018-80; Permissão de Importação MAPA Nº 263/2018), cuja enxertia foi realizada imediatamente sobre Seedlings de macieira (plantas derivadas de semente), e cujas mudas estão sendo desenvolvidas em viveiro na Epagri/EECd para serem então instaladas à campo na EECd e também enviadas para a Epagri/Estação Experimental de São Joaquim (EESJ). Uma nova geração de multiplicação em maior escala ainda é requerida para o estabelecimento de amplas coleções de plantas nas duas unidades de pesquisa da Epagri. Só então é que poderão ser iniciados trabalhos de monitoramento de raças e da virulência de Venturia inaequalis no Brasil, bem como a ativa e efetiva participação do Brasil no projeto Vinquest

(http://www.vinquest.ch/index.html ). Esse estudo de monitoramento da variabilidade de Venturia inaequalis no Brasil é de extrema importância, pois além de nortear as práticas de manejo da doença nos pomares comerciais de maçã, também subsidiará o trabalho de Melhoramento Genético no sentido da piramidação de genes de resistência à sarna no germoplasma desenvolvido. Tudo isso, tem efeito direto na durabilidade da resistência genética à doença das cultivares no país, pois o uso indevido das tecnologias disponíveis pode incorrer em "quebra" da resistência rapidamente, a exemplo do que se observou em várias regiões do mundo com o surgimento da raça 6 de V. inaequalis. Além disso, o Brasil também poderá contribuir com informações científicas para o trabalho de monitoramento e estratégias globais de manejo e de desenvolvimento de novas cultivares resistentes.

*Marcus Vinicius Kvitschal 1 ; Claudio Ogoshi 2 ; Leonardo Araújo 3 ; Marcelo Couto 4

1 Eng. Agrônomo, D.Sc. Genética e Melhoramento. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de Caçador, e-mail: [email protected]; 

2 Eng. Agrônomo, D.Sc. Fitopatologia. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de Caçador, e-mail: [email protected]; 

3 Eng. Agrônomo, D.Sc. Fitopatologia. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de São Joaquim, e-mail:  [email protected]; 

4 Eng. Agrônomo, D.Sc. Manejo e Tratos Culturais. Pesquisador na Epagri/Estação Experimental de Caçador, e-mail:  [email protected]

REFERÊNCIAS: BUS, V.G.M.; LAURENS, F.N.D.; VAN de WEG, E.; RUSHOLME, R.L.; RIKKERINK, E.H.A.; GARDINER, S.E.; BASSETT, H.C.M.; PLUMMER, K.M. The Vh8 locus of a
new gene-for-gene interaction between Venturia inaequalis and the wild apple Malus sieversii is closely linked to the Vh2 locus in Malus pumila R12740-7A. New Phytopatology, v. 166, p. 1035-1049, 2005. BUS, V.G.M.; RIKKERINK, E.H.A.; ALDWINCKLE, H.S.; CAFFIER, V.; DUREL, C.E.; GARDINER, S.; GESSLER, C.; GROENWOLD, R.; LAURENS, F.; LE CAM, B.; LUBY, J.; MACHARDY, W.; MEULENBROEK, B.; KELLERHALS, M.; PARISI, L.; PATOCCHI, A.; PLUMMER, K.M.; SCHOUTEN, H.J.; TARTARINI, S.; VAN de WEG, E. A proposal for the nomenclature of Venturia inaequalis races. Acta Horticuturae, v.814, p.739-746, 2008. BUS, V.G.M.; BASSETT, H.C.M.; BOWATTE, D.; CHAGNÉ, D.; RANATUNGA, C.A.; ULLUWISHEWA, D.; WIEDOW, C.; GARDINER, S.E. Genome mapping of an apple scab, a powdery mildew and a woolly apple aphid resistance gene from open-pollinated Mildew Immune Selection. Tree Genet. Genomes, v.6, p.477-487, 2010. DUNEMANN, F.; EGERER, J. A major resistance gene from Russian apple 'Antonovka' conferring field immunity against apple scab is closely linked to the Vf locus. Tree Genet. Genomes, v.6, p.727-633, 2010. GESSLER, C.; PATOCCHI, A.; SANSAVINI, S.; TARTARINI, S.;  GIANFRANCESCHI, L. Venturia inaequalis resistance in Apple. Cri. Rev. Plant Sci, v.25, n.6, p.473-503, 2006. PARISI, L.; LESPINASSE, Y.; GUILLAUMES, J.; KRUGER, J. A new race of Venturia inaequalis virulent to apples with resistance due to the Vf gene. Phytopathology, v.83, p.533-537, 1993. ROBERTS, A.L.; CRUTE, I.R. Apple scab resistance from Malus floribunda 821 (Vf) is rendered ineffective isolates of Venturia inaequalis from Malus floribunda. Norwegian Journal of Agricultural Sciences, v.17, p.403-406, 1994.
SCHENATO, P.G.; VALDEBENITO-SANHUEZA, R.M.; DUARTE, V. Determinação da presença da raça 1 de Venturia inaequalis no Sul do Brasil. Tropical Plant Pathology, v.33, n.4, p.281-287, 2008. SHAY, J.R.; WILLIAMS, E.B. Identification of three physiologic races of Venturia inaequalis. Phytopathology, v.46, p.190-193, 1956. SHAY, J.R.; WILLIAMS, E.B.; JANICK, J. Disease resistance in apple and pear. Proc. Amer. Soc. Hortic. Sci., v.80, p.97-104, 1962. WILLIAMS, E.B.; BROWN, A.G. A new physiological race of Venturia  inaequalis incitant of apple scab. Plant Dis. Rep., v.52, p.799-801, 1968.

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