Artigos Técnicos

Vanilla pompona: a baunilha do Cerrado

Além de contribuir para a conservação da biodiversidade, essa abordagem pode atender a demanda por alimentos naturais e diversificar a base produtiva do país


A baunilha é uma espécie de orquídea trepadeira que produz frutos comestíveis, sendo a única da família Orchidaceae com essa característica. As espécies do gênero Vanilla produzem frutos conhecidos como "favas" ou  "vagens", que armazenam milhares de sementes envoltas por uma mucilagem rica em compostos voláteis. Essa mucilagem é responsável por um perfil aromático complexo, atribuindo à fava um valor sensorial altamente apreciado em todo o mundo (KARREMANS et al., 2020).

Amplamente valorizada por seu aroma e sabor característicos, a baunilha é largamente utilizada nas indústrias de alimentos, bebidas e cosméticos. No entanto, a maior parte da essência presente nesses produtos é sintética, composta por uma ou duas moléculas isoladas, como a vanilina ou a cumarina sintética. Essa simplicidade contrasta com a complexidade da essência natural, que contém dezenas de compostos responsáveis por um
perfil sensorial mais refinado (KHOYRATTY; KODJA; VERPOORTE, 2018). A espécie Vanilla planifolia é a principal fonte da baunilha natural comercializada, cultivada principalmente em Madagascar para os mercados dos Estados Unidos e da União Europeia. Com a crescente demanda e a instabilidade nas regiões produtoras, os preços da baunilha natural aumentaram significativamente, favorecendo o uso de extratos sintéticos (KHOYRATTY; KODJA; VERPOORTE, 2018).

Por isso, promover o uso sustentável de espécies alternativas com potencial aromático para suprir parte dessa demanda torna-se estratégico. Além de contribuir para a conservação da biodiversidade, essa abordagem pode atender a demanda por alimentos naturais e diversificar a base produtiva do país (SILVA et al., 2022). O Brasil abriga uma das maiores biodiversidades de espécies de orquídeas do planeta, mas seu potencial alimentar ainda é pouco explorado. Entre as espécies nativas, destaca-se a Vanilla pompona, uma orquídea que ocorre naturalmente em diversas regiões do país e que apresenta características promissoras para o mercado global de baunilha (OLIVEIRA, et al., 2022; WATTEYN, et al., 2020).

A V. pompona possui uma composição fitoquímica distinta, incluindo variações qualitativas e quantitativas de compostos aromáticos como a vanilina. Embora contenha, em média, menores concentrações desse composto isoladamente, a espécie brasileira se destaca pela complexidade e diversidade de suas moléculas voláteis como álcool vanílico, ácido vanílico, álcool 4-hidroxibenzílico, 4-hidroxibenzaldeído, ácido 4-hidroxibenzóico, álcool
anisílico, anisaldeído e ácido anísico, que conferem ao fruto um perfil sensorial único e de alto valor agregado (MARUENDA et al., 2013).

Atualmente, uma pesquisa em desenvolvimento no Instituto Federal Goiano - Campus Rio Verde, em parceria com a Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO), busca caracterizar a diversidade química de favas de cinco genótipos distintos de V. pompona. Este estudo, conduzido no âmbito do programa de pós-graduação em Agroquímica, visa identificar a composição dos metabólitos secundários com ênfase nos compostos aromáticos responsáveis pelo sabor e aroma da baunilha.

Os primeiros resultados reforçam que não apenas a concentração de vanilina de alguns genótipos se aproxima da espécie mundialmente comercializada (V. planifolia), mas principalmente a interação entre diferentes moléculas voláteis. Dentre elas estão os compostos ácido anísico e hidroxibenzaldeído, que são determinantes para a qualidade sensorial do produto. Assim, genótipos com maior diversidade de compostos podem oferecer uma experiência gustativa mais complexa e refinada, o que amplia o valor comercial e o potencial uso da espécie em aplicações gourmet, formulações cosméticas e farmacêuticas.

O cultivo desta espécie já é referenciado pela Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), que disponibiliza conteúdos técnicos acerca do desenvolvimento da cadeia produtiva de baunilhas brasileiras. O cultivo pode ser realizado de forma extensiva à intensivo, dependendo das condições climáticas da região, o que também influencia diretamente no investimento em infraestrutura. No Brasil, ainda não há uma cultura de cultivo da baunilha, mas experiências em pequenas propriedades têm demonstrado o potencial da espécie e suas possibilidades de inserção em diferentes arranjos produtivos (BIANCHETTI et al., 2023).

A valorização da V. pompona representa portanto, uma oportunidade concreta de inserção do Brasil em cadeias produtivas com valores mais sustentáveis, por meio da conservação e uso racional da biodiversidade nativa. Além disso, o seu cultivo em sistemas extensivos e semi-extensivos podem contribuir com a preservação de vegetações nativas e ainda promover o desenvolvimento da economia local. Assim, o uso de extratos naturais não apenas potencializa as características organolépticas da baunilha, mas também representa um caminho estratégico para valorizar o sensorial que a espécie proporciona, a economia e potencial ecológico do gênero Vanilla, com inovação e sustentabilidade da biodiversidade brasileira.

*Autores: Eduardo Oliveira Guilherme, Paula Sperotto Alberto Faria, Cristina Garcia-Viguera, Luciana Arantes Dantas, Fábia Barbosa da Silva, Lucas Loram Lourenço, Márcio Moraes, Fabiano Guimarães Silva e Juliana dos Santos Rodrigues - [email protected] - Paula Sperotto Alberto Faria/Doutora em Biotecnologia e Biodiversidade - Universidade Federal de Goiás Mestre em Ciências Agrárias - IF Goiano -Bióloga - IF Goiano - Tel: (64) 99642-2040.

Referências Bibliográficas: BERENSTEIN, N. Making a global sensation: Vanilla flavor, synthetic chemistry, and the meanings of purity. History of Science, v. 54, n. 4, p. 399-424, 30 dez. 2016. BIANCHETTI, L. D. B., MIRANDA, Z., Vieira, R. F., ALVES, R. D. B., Brumano, C. A. N., da SILVA, D. B., & Fikenscher, C. Cultivo de baunilha: práticas básicas. 2023. FLANAGAN, N. S.; MOSQUERA-ESPINOSA, A. T. An integrated strategy for the conservation and sustainable use of native Vanilla species in Colombia. Lankesteriana, v.16, n. 2, 30 ago. 2016. KARREMANS, A. P. et al. A reappraisal of neotropical Vanilla. With a note on taxonomic inflation and the importance of alpha taxonomy in biological studies. Lankesteriana, v. 20,n. 3, p. 395-497, 1 dez. 2020. KHOYRATTY, S.; KODJA, H.; VERPOORTE, R. Vanilla flavor production methods: A review. Industrial Crops and Products, v. 125, p. 433-442, 1 dez. 2018. MARUENDA, H. et al. Exploration of Vanilla pompona from the Peruvian Amazon as a potential source of vanilla essence: Quantification of phenolics by HPLC-DAD. Food Chemistry, v. 138, n. 1, p. 161-167, maio 2013. OLIVEIRA, J. P. et al. Vanilla flavor: Species from the Atlantic forest as natural alternatives. Food Chemistry, v. 375, p. 131891, 2022. SILVA, F. N. DA et al. Market research: characterization of the vanilla consumer and non-consumer market. Research, Society and Development, v. 11, n. 7, p. e57911730505, 5 jun. 2022. WATTEYN, C.; FREMOUT, T.; KARREMANS, A.P.; HUARCAYA, R.P.; AZOFEIFA BOLAÑOS, J.B.; REUBENS, B.; MUYS, B. Vanilla Distribution Modeling for Conservation and Sustainable Cultivation in a Joint Land Sparing/Sharing Concept. Ecosphere 2020.

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