studo analisou 239 publicações científicas sobre avaliação de impacto agrícola entre 1969 e 2022. Uso de inteligência artificial permitiu mapear tendências, metodologias e lacunas em seis décadas. Métodos mistos e ciência de dados ganham espaço desde os anos 2000, equilibrando análises qualitativas e quantitativas. Temas como mudanças climáticas, segurança alimentar e práticas sustentáveis devem crescer até 2030. Pesquisas sobre culturas estratégicas como arroz, trigo, batata e inhame ainda são pouco exploradas.
As avaliações de impacto na agricultura, cada vez mais exigidas por governos, financiadores e instituições de pesquisa, ganharam novas ferramentas para medir de forma mais precisa os efeitos de políticas e tecnologias. Um estudo recente aplicou técnicas de processamento de linguagem natural (PLN) para analisar quase seis décadas de publicações científicas sobre o tema, revelando tendências, lacunas e prioridades emergentes que podem orientar tanto a formulação de políticas quanto a condução da pesquisa agrícola global.
De acordo com a analista da Embrapa Territorial Daniela Maciel Pinto, o levantamento examinou 239 estudos publicados entre 1969 e 2022, identificando mudanças no volume de trabalhos, nos métodos utilizados e nos focos temáticos ao longo do tempo.
O primeiro artigo da série, explica ela, "publicado em 1969, já discutia a necessidade de aprimorar a gestão dos recursos públicos destinados à pesquisa agrícola. Desde então, o campo passou por grande transformação, refletindo as próprias mudanças da agricultura mundial - da Revolução Verde à emergência climática e aos debates sobre sustentabilidade".
A análise mostrou a existência de seis grandes grupos temáticos:
Economia e desenvolvimento agrícola (49 estudos) - com foco em eficiência, produtividade e investimentos, envolvendo principalmente grãos como sorgo e cevada;
Inovação e desempenho tecnológico (37) - ligado a qualidade, transferência de conhecimento e culturas como milho e cana-de-açúcar, em forte ascensão desde os anos 1990;
Segurança alimentar e mudanças climáticas (33) - tema em expansão desde os anos 2000, que relaciona produção, adaptação e questões de gênero;
Gestão de recursos e desenvolvimento sustentável (31) - com destaque para pobreza agrícola, impactos ambientais e redução da pobreza;
Impactos sociais e transformações institucionais (47) - voltado à participação social, políticas agrícolas e aprendizagem institucional, em crescimento desde os anos 1970;
Adoção de tecnologias e práticas sustentáveis (42) - centrado em pequenos agricultores, inovação e renda, com aumento expressivo nas décadas de 2000 e 2010.
As projeções indicam que, até 2030, adoção de práticas sustentáveis (+233%), gestão de recursos (+122%) e impactos sociais e institucionais (+59%) devem crescer acima da média. Já inovação tecnológica (+51%) e segurança alimentar (+22%) avançarão em ritmo mais moderado, mas ainda relevante para os desafios globais.
Adriana Bin da Unicamp, explica que, do ponto de vista metodológico,
o estudo identificou 73 técnicas distintas, organizadas em três categorias: desenho da avaliação, coleta de dados e análise de dados. Houve uma clara transição: se antes predominavam abordagens estritamente quantitativas, hoje há maior equilíbrio com métodos qualitativos. A partir dos anos 2000, cresceu o uso de métodos mistos e de ferramentas de ciência de dados, indicando uma tendência a avaliações mais interdisciplinares.
O Grupo 5 - impactos sociais e transformações institucionais concentrou a maior variedade de métodos (35), seguido por inovação tecnológica e desempenho (31). Já os grupos de economia agrícola e adoção de tecnologias sustentáveis empataram com 25 metodologias cada. Os temas ligados à segurança alimentar, mudanças climáticas e gestão de recursos ficaram próximos, com 22 métodos aplicados.
Segundo o pesquisador da Embrapa Meio Ambiente Geraldo Stachetti Rodrigues, questões sociais mais complexas exigem maior diversidade metodológica, enquanto áreas tradicionais, como economia agrícola, apesar do volume de estudos, utilizam menos variedade de ferramentas. Essa diferença reforça a necessidade de combinar métodos para capturar as múltiplas dimensões dos impactos agrícolas.
Inteligência artificial como aliada - O diferencial da pesquisa foi o uso de técnicas de PLN, como tokenização, análise de bigramas e modelagem de tópicos, aplicadas ao conjunto de publicações. Esse processo permitiu identificar padrões e tendências que poderiam passar despercebidos em análises convencionais.
A busca inicial recuperou 447 artigos nas bases Scopus e Web of Science, refinados até chegar ao conjunto final de 239. O material foi tratado com métodos estatísticos, como a teoria de Zipf, e algoritmos de aprendizado de máquina, incluindo o LDA (Latent Dirichlet Allocation), que organizou os textos em seis grandes tópicos. A consistência dos resultados foi validada por testes de coerência e pelo método Elbow, que define o número ideal de clusters, neste estudo: os tópicos.
Além da análise temática, Daniela Maciel Pinto destaca que a pesquisa estruturou um dicionário com 103 métodos e técnicas aplicados em avaliação de impacto, que pode servir como guia prático para pesquisadores, avaliadores e formuladores de políticas.
O estudo mostra que as avaliações de impacto acompanharam os ciclos da agricultura mundial. Nos anos 1950 e 1960, a ênfase estava na mensuração econômica das inovações trazidas pela Revolução Verde. A partir dos anos 1970, emergiram preocupações ambientais e sociais, levando a métodos como a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) e, mais tarde, a ferramentas institucionais como o Ambitec-Agro, desenvolvido pela Embrapa.
Nos anos 1990 e 2000, avaliações qualitativas e participativas passaram a incluir questões de gênero e equidade, enquanto na década seguinte ganharam espaço abordagens sistêmicas alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Mais recentemente, big data e tecnologias digitais começaram a ser incorporados, ampliando as possibilidades de análise.
Apesar dos avanços, a pesquisa revelou lacunas importantes. Poucas avaliações abordam diretamente culturas fundamentais para a segurança alimentar global, como arroz, trigo, batata e inhame - que aparecem em apenas 10% dos estudos. Outro ponto é o número ainda limitado de pesquisas experimentais, mesmo em temas que poderiam se beneficiar desse tipo de abordagem.
Há também desafios relacionados à cobertura das bases de dados. Por ter analisado apenas artigos indexados em Scopus e Web of Science, o levantamento pode ter deixado de fora trabalhos relevantes disponíveis em outros repositórios.
Relevância social e política - Mais do que instrumentos de mensuração, as avaliações de impacto são vistas hoje como mecanismos de responsabilidade institucional, alinhados a paradigmas como a Pesquisa e Inovação Responsáveis (RRI). Elas ajudam a conectar a ciência agrícola a valores éticos, sociais e ambientais, ampliando sua relevância social.
Para os autores, os resultados indicam que novas ferramentas, como a inteligência artificial, não substituem métodos tradicionais, mas os complementam, fortalecendo a capacidade de avaliação em um campo estratégico para enfrentar mudanças climáticas, garantir segurança alimentar e promover sustentabilidade.
Ao organizar o conhecimento acumulado sobre meio século de pesquisas, o estudo fornece um mapa de tendências e metodologias, capaz de apoiar decisões institucionais, orientar investimentos e estimular práticas agrícolas mais resilientes e inclusivas.
Principais pontos
Estudo analisou 239 publicações entre 1969 e 2022 usando inteligência artificial.
Identificados seis grandes grupos temáticos, com destaque para sustentabilidade, inovação e impactos sociais.
Catalogadas 73 técnicas de avaliação e organizado um dicionário com 103 metodologias.
Uso crescente de métodos mistos e ciência de dados a partir dos anos 2000.
Lacunas: baixa atenção a culturas básicas como arroz, trigo e batata.
Até 2030, maior crescimento esperado em adoção de práticas sustentáveis e gestão de recursos.
Linha do tempo - Avaliações de impacto na agricultura
Século XIX - Primeiras relações entre ciência e prática agrícola começam a ser observadas.
Década de 1950 - Com a Revolução Verde, surgem metodologias quantitativas voltadas a medir custos e benefícios das inovações tecnológicas.
Década de 1970 - Expansão do escopo: além dos impactos econômicos, passam a ser avaliados efeitos sociais e ambientais.
Décadas de 1980 e 1990 - Avanço das metodologias ambientais, como a Análise de Ciclo de Vida (ACV) e a Avaliação de Impacto Ambiental (AIA). A Embrapa cria o Ambitec-Agro, para medir impactos de tecnologias agropecuárias.
Anos 1990-2000 - Ganha espaço a avaliação participativa e qualitativa, com foco em inclusão social, gênero e equidade.
A partir de 2010 - Ênfase em abordagens sistêmicas e análises de trade-offs, alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).
Atualidade - Uso crescente de big data e tecnologias digitais para apoiar avaliações de impacto e políticas públicas agrícolas.
O estudo foi publicado em Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v. 42.
*Cristina Tordin/Embrapa Meio Ambiente - meio-ambiente.imprensa@embrapa.br - Telefone: (19) 992626751.