Artigos Técnicos

Melhoramento Genético da Amora preta na Embrapa: antes e depois da cultivar Tupy

A cultivar Tupy é a cultivar mais plantada no Brasil e uma das mais plantadas no mundo, principalmente em condições de inverno ameno


Maria do Carmo Bassols Raseira1, Rodrigo Cezar Franzon1, Nelson Pires Feldberg2, Luis Eduardo Correa Antunes1

A pesquisa com amora-preta (blackberry) teve início em Pelotas, em 1972, na então Estação Experimental de Pelotas - EEP, com objetivo principal de oferecer novas opções de cultivo aos pequenos produtores. Este começo se deu com a introdução de uma pequena coleção de cultivares americanas, doadas pela University of Arkansas, EUA. Três anos depois, o Dr. James N. Moore, desta mesma Universidade, doou milhares de sementes de hibridações que havia realizado. Destas sementes resultaram cerca de 12 mil seedlings que, após avaliados, originaram mais de 75 seleções.

Com a pequena coleção introduzida e as dezenas de seleções obtidas foi iniciado o programa de melhoramento da amoreira-preta, em 1978, o qual mais tarde foi enriquecido com pólen e plantas recebidas dos Estados Unidos e do Uruguai.

Os objetivos do programa de melhoramento foram, desde seu início, desenvolver seleções e cultivares de baixa necessidade em frio hibernal, com boa resistência a doenças e produtoras de frutas firmes e de bom tamanho, e boa conservação pós-colheita; desenvolver cultivares produtoras de frutas mais doces e/ou com baixa acidez e cuja época de colheita não seja coincidente com as atuais cultivares (portanto, mais precoces ou mais tardias que essas). Na última década, com a ocorrência de temperaturas elevadas durante a floração e desenvolvimento das frutas, também a tolerância ao calor passou a integrar os objetivos. Mais recentemente está se buscando, também, o desenvolvimento de cultivares remontantes, que podem produzir no outono, ou seja, as hastes primárias não necessitam passar pelo inverno para formar flores e frutas.

Do programa de melhoramento da Embrapa, foram lançadas as cultivares: Ébano em 1981; Negrita, em 1983 (esta foi perdida ao longo do tempo); Tupy e Guarani, em 1988, Caingangue, em 1992; Xavante, em 2004; BRS Xingu, em 2015; e BRS Cainguá, em 2019. Delas, 'Ébano' e 'Xavante' não tem espinhos nas hastes.

A cultivar Tupy é a cultivar mais plantada no Brasil e uma das mais plantadas no mundo, principalmente em condições de inverno ameno. Além de seus atributos em relação à produtividade e qualidade das frutas, há um fator adicional para sua aceitação, principalmente em áreas subtropicais, que é sua adaptação ao manejo para produção forçada, fora da época normal. A cv. Tupy produz frutas de tamanho médio a grande e sabor doce ácido, com leve predominância de acidez. O sabor amargo é quase imperceptível. Suas hastes são eretas e com espinhos (acúleos).

As mais recentes são BRS Xingu e BRS Cainguá. A primeira produz frutas preto-avermelhado, com formato tendendo a oblongo (Figura 1A e 1B) e com boa conservação pós-colheita. A textura e sabor das mesmas é considerada semelhante às frutas da cv. Tupy. Estende a colheita por mais uma ou duas semanas, em relação à 'Tupy'.

Cultivar BRS Cainguá: Essa cultivar tem plantas de porte menor que 'Tupy', com folhas mais claras e entrenós mais curtos. Avaliada durante seis anos, teve produtividade levemente inferior à cv. Tupy. Suas frutas são alongadas (Figura 2), de muito boa aparência e sabor agradável para consumo fresco, com tamanho superior ao das frutas de 'Tupy'. A firmeza e brilho são médios e a conservação pós-colheita é igual ou melhor que 'Tupy'.

Estágio atual e perspectivas: O programa conta, atualmente, com uma coleção de 14 cultivares e mais de 200 seleções em avaliação. Centenas de seedlings, obtidos em hibridações controladas, deverão ser levados ao campo, nos próximos anos.

Sabor: Foram realizados, ao longo dos anos, diversos cruzamentos com o objetivo de melhorar o sabor das frutas, para que satisfizesse as preferências do consumidor brasileiro, ou seja, mais doce e/ou menos ácido. A cv. BRS Cainguá representa um avanço quanto a esse parâmetro. Hoje, mais de 60% das seleções em observação tem relação açúcar/acidez (ratio) maior do que a obtida nas frutas da cv. Tupy, que já tem relativamente boa aceitação por parte do consumidor brasileiro. Dentre as seleções restantes, várias delas têm valor semelhante à cv. Tupy. Destaca-se que, na média dos anos, enquanto o ratio das frutas de 'Tupy' esteve entre 6,5 e 7,4, houve genótipos com ratio igual ou superior a 11. A seleção Black 288 foi um desses genótipos

Produtividade e firmeza: Algumas seleções mais recentes, como Black 312 (Figura 3), por exemplo, destacam-se nesse aspecto. As plantas dessa seleção têm porte ereto, são vigorosas e com hastes com baixa densidade de espinhos de tamanho médio ou pequeno, em comparação com 'Tupy', por exemplo. As sementes são médias. As frutas são alongadas, firmes e com boa uniformidade. As drupéolas são grandes e o sabor doce-ácido com predominância de acidez e leve amargo. É bastante produtiva.

Maturação tardia: As seleções Black 216 (Figura 4) e Black 219 são, dentre as de colheita tardia, as que estão em observação há mais tempo. Ambas têm hastes com espinhos. A plena floração da primeira ocorre, geralmente, na segunda quinzena de outubro e a maturação estende-se até meados ou mesmo final de janeiro. A produção de ambas tem sido inferior àquela da cv. Tupy, em parte porque não são irrigadas e por serem tardias sofrem mais com estresse hídrico nas condições de Pelotas, RS. Quanto ao sabor das frutas, Black 216 tem ratio semelhante ao encontrado nas frutas da cv. Tupy, enquanto Black 219 é superior à mesma.

Maturação mais precoce que 'Tupy': Com esta característica pode-se destacar as seleções Black 178 e Black 251.

Black 178: Inicia a colheita em torno de cinco dias a uma semana antes da cv. Tupy. Tem hastes eretas a semi-eretas (Figura 5), com espinhos. É muito produtiva, e as frutas são médias com sementes pequenas a médias e inferiores a 'Tupy' em tamanho e ratio.

Black 251 (Figura 6): É uma das seleções mais precoces em maturação e de baixa necessidade em frio. Altamente produtiva e com frutas de boa aparência, forma oblonga, com media de 6 a 7g, de sabor inferior às frutas da cv. Tupy, doce-ácidas e com algum amargo ao final. Pode ser muito interessante para as regiões subtropicais. Mas o sabor não é adequado para consumo in natura.

Ausência de espinhos: Dispõe-se hoje de 23 seleções cujas hastes são lisas, sem presença de espinhos (acúleos). Infelizmente várias apresentam problemas: ou produzem frutas muito pequenas ou a produtividade é baixa ou apresentam outros defeitos (como amargor acentuado) e são utilizadas apenas em novas hibridações. A curto prazo, as seleções com potencial para serem lançadas como novas cultivares são a Black 181 e Black 223. A seleção Black 181 é bastante produtiva e na média de três anos de avaliação apresentou ratio semelhante à cv. Tupy, apesar de que suas frutas ainda conservam sabor amargo. As frutas da seleção Black 223, de coloração preta avermelhada, são de formato ovado médio, algumas tendendo à cônicas. O teor de sólidos solúveis nas frutas tem ficado entre 8 e 10º Brix, mas a acidez relativamente elevada torna as frutas inferiores em sabor àquelas da cv. Tupy. Por outro lado, elas têm leve a moderado amargo, mas muito menos perceptível do que o apresentado pelas frutas das cvs. Ébano ou Xavante

Hábito remontante: Plantas de amoreira-preta do tipo remontante produzem nas hastes floríferas, mas também produzem nas hastes primárias, permitindo, assim, uma produção no verão e outra no outono ou é possível optar por uma delas, com manejo diferenciado. Além da vantagem de produzir fora da estação normal na região, como as hastes primárias produzem antes de passar pelo inverno, teoricamente elas não necessitariam de um período de dormência antes da produção e seria interessante que elas fossem testadas na ausência de frio hibernal.  Após vários anos foram obtidas as seleções remontantes Black 247 (Figura 7) e Black 275. Entretanto, Como elas estão sendo mantidas sem irrigação e o seu manejo está bem aquém do recomendado, é bastante difícil estimar seu potencial, em condições adequadas. Estas seleções serão multiplicadas para serem colocadas em unidades de observação.  

Cultivar para geleias e doces:  No sul do estado do Rio Grande do Sul, a produção de amora-preta é quase totalmente destinada à indústria. Para alguns tipos de doces, e as geleias se incluem entre esses, é interessante que as frutas tenham acidez. Além disso, é importante ter uma cultivar altamente produtiva, uma vez que o preço pago pela indústria é inferior ao que se paga no mercado fresco. A seleção Black 145 (Figura 8) preenche estes requisitos.

As plantas da Black 145 são de hábito de crescimento ereto, e hastes com espinhos. É altamente produtiva, podendo ultrapassar 8 a 10 ton/ha já nos primeiros anos. As frutas são grandes, de formato oblongo e sabor ácido, resultante do baixo a médio conteúdo de sólidos solúveis totais e acidez elevada. Pode apesentar reversão de cor na pós-colheita, mas em menor proporção do que aquela apresentada pelas frutas da cv. Brazos.

Ornamentais: Para o público urbano, é interessante lembrar que a amora-preta pode ser usada em cercas-vivas ou mesmo no jardim, como planta ornamental. Há seleções específicas para fins ornamentais como é o caso da seleção Black 217 (Figura 9), por exemplo.

Concluindo, nos próximos anos deverá ser lançada como nova cultivar para uso industrial a seleção Black 145; uma seleção de maturação tardia (Black 216) e, provavelmente, a seleção Black 312, com melhor produção e ratio semelhante à cv. Tupy. Dentro de três a quatro anos, poderá ser lançada mais uma cultivar sem espinhos nas hastes, mais produtiva e de frutas consideravelmente melhores que as da cv. Xavante.

1 Eng. Agr., Pesquisadores da Embrapa Clima Temperado, Pelotas, RS. E-mail: [email protected], [email protected], [email protected];/2 Eng. Agr., Analista da Embrapa Clima Temperado, EECAN, Canoinhas, SC. E-mail: [email protected]

 

 

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