Nos cultivos de macieira do Sul do Brasil, o uso de telas para a cobertura de pomares tem se tornado cada vez mais frequente como medida de proteção contra chuvas de granizo. Esse tipo de intempérie pode causar danos severos tanto às plantas em formação quanto às em produção, resultando em perdas expressivas de frutos para o consumo in natura. Apesar das telas antigranizo serem eficazes na prevenção desses danos e atuarem como um filtro para a radiação solar, elas não contribuem para o controle de pragas. Por sua vez, o cultivo protegido tipo telado, com o uso de telas tanto na cobertura como nas laterais do pomar, popularmente chamado de ?envelopamento? é uma técnica que além de proteger contra granizo também dificulta a entrada de diversas pragas no pomar, como insetos, ácaros, pássaros, lebres, javalis e veados. Em Santa Catarina, esta técnica vem sendo estudada desde 2013 pela Epagri, na Estação Experimental de Caçador (EECD).
Para envelopar um pomar são usadas telas sintéticas com malha de no máximo 2 mm de espessura tratadas contra raios UV e oxidação. Telas antigranizo com tamanho de abertura de malha superior a 2 mm apresentam menor eficácia na contenção de pragas, especialmente de adultos da mosca-das-frutas sul-americana.
Vantagens da técnica ? Resultados de pesquisa - Em Caçador (SC), foi realizado um estudo em um pomar de macieira do cultivar Monalisa, conduzido no sistema orgânico e totalmente envelopado (Figuras 1 e 2). O pomar, localizado na Epagri/EECD, foi completamente telado em 2013. Após o envelopamento, não foram observados danos causados por ácaros, lebres ou veados. Além disso, verificou-se uma redução na incidência de insetos-praga em comparação ao pomar localizado ao lado, que contava apenas com cobertura antigranizo. Foram observadas reduções de infestação das seguintes pragas no pomar envelopado em relação ao pomar com cobertura antigranizo: 30% para grafolita, Grapholita molesta (Lepidoptera: Tortricidae), 50% para bonagota, Bonagota cranaodes (Lepidoptera: Tortricidae) e 75% para a mosca-das-frutas sul-americana, Anastrepha fraterculus (Diptera: Tephritidae).
As pragas que ocorreram no pomar envelopado, provavelmente entraram pelas aberturas na tela causadas pelo rompimento dos elásticos de fixação, devido a ação de ventos fortes que eventualmente ocorreram na região. Outras possíveis fontes de entrada estão relacionadas à abertura parcial da estrutura, necessária para a passagem de maquinários e para permitir a entrada de abelhas durante o período de polinização, quando apenas uma das laterais do pomar era levantada. Em contrapartida, durante a pré-colheita e a colheita, não houve captura de mosca-das-frutas, uma vez que, nesse período, a estrutura permaneceu completamente fechada. Atualmente, as empresas fornecedoras de telas adaptaram e melhoraram o sistema de fechamento superior, tornando os materiais de fixação mais resistentes e reduzindo significativamente a ocorrência de rupturas.
Figura 1. Pomar orgânico de macieira do cultivar Monalisa totalmente protegido com tela sintética. Epagri/EECD, Caçador, SC (2013). Foto: Janaína Pereira dos Santos
Para a polinização das plantas, nesse tipo de sistema, recomenda-se a utilização de abelhas sem ferrão em complementariedade às abelhas africanizadas (Apis mellifera). Estudos realizados pela Epagri indicam o uso de seis caixas de abelhas Apis + 12 caixas de abelhas nativas associadas à instalação de bebedouros no pomar. Caso o produtor opte por utilizar apenas abelhas africanizadas, é necessário abrir a tela em uma das laterais do pomar. Isso permitirá que as abelhas deixem a área, evitando sua desorientação e reduzindo o risco de ataques aos trabalhadores que entram no local para realizar os tratos culturais.
Durante o período de polinização, é fundamental a instalação de bebedouros no pomar para reduzir a saída das abelhas em busca de água. A água é utilizada no metabolismo das abelhas para hidratação, manutenção da temperatura corpórea e também para a diluição de mel estocado e regulação da umidade do ninho. As abelhas não estocam água nos favos, necessitando coletar esse recurso diariamente. A Epagri disponibiliza um folder técnico intitulado ?Importância da Água para as Abelhas na Apicultura? (Schafaschek; Sezerino, 2021), que apresenta orientações detalhadas sobre como construir e instalar bebedouros para o fornecimento de água às abelhas - https://publicacoes.epagri.sc.gov.br/rac/article/view/1336.
Figura 2. Pomar orgânico de macieira do cultivar Monalisa totalmente protegido com tela sintética. Epagri/EECD, Caçador, SC (2014). Foto: Janaína Pereira dos Santos
Atualmente, em São Joaquim, há o registro de oito produtores orgânicos de maçãs com pomares envelopados. A Figura 3 apresenta a imagem de um desses pomares, pertencente ao produtor João Reichert, que cultiva maçãs em sistema orgânico desde 2004. Até 2017, ele utilizava o ensacamento de frutos como método de controle de pragas. No entanto, o aumento da demanda, a escassez de mão de obra e os elevados custos de implantação tornaram essa prática inviável. Diante disso, em 2018, o produtor optou por envelopar seus dois pomares.
Figura 3. Pomar orgânico de macieira de 1,5 ha, com os cultivares Fuji, Gala, Venice, Daiane, Isadora, Serrana e Kinkas totalmente protegido com tela sintética. São Joaquim, SC (fevereiro/2023).
Foto: André Amarildo Sezerino
Custos do Envelopamento - Em 2024, o custo para realizar o envelopamento de um pomar foi de R$ 80.000,00 por hectare (Tabela 1). Embora o custo de investimento para a instalação da estrutura seja relativamente alto, o envelopamento das áreas pode ser uma opção viável em pomares conduzidos no sistema de produção orgânica ou quando outros métodos de controle de pragas são considerados ineficientes. Dessa forma, a técnica pode ser utilizada pelos agricultores para muitas finalidades, uma delas visa evitar a entrada de insetos-praga no pomar, especialmente da mosca-das-frutas e da grafolita.
Tabela 1. Custo de materiais necessários para o envelopamento de 1 (um) hectare de pomar de macieira*.
Apesar do investimento inicial elevado, o envelopamento de pomares apresenta diversas vantagens, especialmente no controle de pragas, tornando-se uma alternativa promissora para os produtores de maçã em sistema orgânico. Em São Joaquim, agricultores que adotaram essa técnica relatam que os custos de implantação tendem a ser amortizados em poucos anos, devido ao valor agregado da maçã orgânica, cujo preço médio em 2024 foi de aproximadamente R$ 6,00 por quilo.
Desafios da técnica do Envelopamento: Alto custo: a proteção de grandes áreas envolve investimentos significativos;
Durabilidade das telas: embora ofereçam garantia média de 15 anos, alguns fabricantes não concedem essa garantia a produtores que utilizam enxofre e cobre no controle de doenças da macieira, devido à hipótese de que ess es produtos possam reduzir a vida útil das telas. Contudo, essa suposição ainda carece de estudos que a comprovem; Manutenção frequente: as telas podem rasgar facilmente, especialmente em áreas com alta incidência de ventos. Nesses casos, recomenda-se a instalação de quebra-ventos no lado de maior exposição aos ventos predominantes;
Falta de mão de obra especializada: há dificuldade em encontrar profissionais qualificados para realizar a instalação e manutenção das estruturas. *Janaína Pereira dos Santos/Epagri/E.E. de Caçador/SC.