Notícias do Pomar

Ciência busca soluções na Natureza para proteger citros do greening

Pesquisas da UFSCar buscam alternativas ao controle químico da doença que já afeta mais de 40% dos pomares no Brasil


O Laboratório de Produtos Naturais (LPN) da UFSCar compartilhou recentemente resultados de novos estudos com foco no greening, mais devastadora doença da citricultura em todo o mundo. As pesquisas oferecem estratégias para prevenção e enfrentamento precoce do problema que desafia cientistas e produtores com sua rápida disseminação e ausência de cura até o momento.

greening - também chamado de Huanglongbing (HLB) - é causado pela bactéria Candidatus Liberibacter asiaticus e transmitido por um inseto vetor, o psilídeo-asiático (Diaphorina citri). Um estudo realizado neste ano indicou que, nas principais regiões produtoras no Brasil - São Paulo e Minas Gerais -, a doença já afeta quase 48% dos pomares, com impactos econômicos relevantes. Diante de limitações dos atuais métodos de controle, um dos caminhos importantes é compreender como a infecção afeta as plantas em nível molecular.

Nesse contexto, um dos trabalhos realizados se debruçou sobre as interações entre planta e patógeno. Orientada pela professora Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva, docente no Departamento de Química (DQ) da UFSCar e coordenadora do LPN, Jéssica Cristina Amaral investigou como as plantas cítricas respondem à infecção, em pesquisa de doutorado desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Química (PPGQ).

Com foco em metabólitos secundários - compostos produzidos pela própria planta que podem atuar como mecanismos de defesa -, a pesquisa buscou identificar quais substâncias são ativadas ou aumentadas quando ocorre a infecção. As análises levaram a um conjunto de substâncias, entre elas a xantiletina e a seselina, compostos que pertencem a uma classe química conhecida como piranocumarinas, já estudada por suas propriedades antimicrobianas. A presença elevada dessas substâncias nas raízes de plantas infectadas sugere que desempenham papel ativo na defesa contra o avanço da bactéria. O mais promissor, no entanto, é que esses metabólitos parecem se acumular antes mesmo dos primeiros sintomas visíveis nas partes aéreas da planta, como folhas amareladas, frutos deformados e galhos com crescimento comprometido, o que abre caminho para o desenvolvimento de ferramentas de diagnóstico precoce e, futuramente, para o melhoramento genético, rumo a plantas que sejam naturalmente mais eficientes em sua defesa.

Óleos essenciais - Em estudo de 2016, o grupo já havia encontrado resultados relevantes buscando nas próprias plantas o caminho para enfrentamento do problema, ao investigar o uso de óleos essenciais de diferentes tipos de citros no combate ao greening. O estudo avaliou 22 genótipos cultivados no Brasil, abrangendo laranjas, tangerinas, limões, toranjas e híbridos. O foco esteve nos compostos voláteis - substâncias químicas que se dispersam facilmente no ar à temperatura ambiente - presentes nos brotos jovens das plantas. A escolha é particularmente estratégica, pois é justamente nesses brotos que o inseto vetor do greening se alimenta e deposita seus ovos.

O resultado foi um mapeamento detalhado das semelhanças e diferenças químicas entre os genótipos estudados, fornecendo pistas importantes sobre quais variedades de citros podem se tornar aliadas no controle sustentável da doença. Para entender como os óleos influenciam o comportamento do inseto, os pesquisadores realizaram testes com um olfatômetro, no qual o inseto escolhia entre dois caminhos, um com o odor de determinado óleo essencial e outro neutro. Essa técnica permitiu medir o nível de atração, ou repulsão, que os diferentes aromas causavam nos psilídeos. Os resultados foram claros, com o cheiro da planta Murraya paniculata (jasmim-laranja) sendo preferido por mais de 70% dos insetos testados. O jasmim-laranja é conhecido como uma das principais plantas hospedeiras do inseto.

A análise das composições químicas revelou que os genótipos de menor preferência compartilhavam compostos como fitol, (Z)-?-ocimeno e ?-elemene, levando à hipótese de que podem atuar como repelentes. No entanto, outras avaliações ainda seguem sendo necessárias para confirmar os efeitos.

Previsão do clima (e do greening) - Um outro estudo resultou em modelo estatístico capaz de prever a disseminação da bactéria causadora do greening com base em fatores climáticos. A pesquisa foi conduzida no âmbito do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Controle Biorracional de Insetos Pragas, também coordenado por Maria Fátima das Graças Fernandes da Silva, e envolveu, além da UFSCar, o Fundo de Defesa da Citricultura (Fundecitrus) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), com apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Transformar o clima em aliado foi o ponto de partida para buscar novas estratégias no controle do greening. Sabendo que fatores como temperatura, umidade e chuva afetam tanto o inseto transmissor quanto a bactéria, os pesquisadores criaram um modelo capaz de prever os momentos e locais mais propícios à disseminação da doença. Na prática, isso possibilita ações preventivas baseadas na previsão do tempo, sendo um avanço inédito no controle estratégico da doença.

O modelo leva em conta as variações climáticas de diferentes regiões, o que permite que ele seja adaptado para outros polos citrícolas do mundo, como Estados Unidos, México, China e países da União Europeia. Embora não substitua práticas já usadas no campo, como o controle químico e a eliminação de plantas doentes, o modelo ajuda a tomar decisões mais estratégicas sobre, por exemplo, quando aplicar defensivos, onde usar telas protetoras ou quando remover árvores infectadas antes que o surto se espalhe.

Para a professora Maria Fátima, supervisora dos estudos, os resultados representam apenas o começo de uma nova etapa no enfrentamento do greening. "A proposta abre caminho para modelos antecipados ainda mais avançados, capazes de incorporar novos dados e diferentes realidades agrícolas. Essas investigações com distintas condições climáticas poderão ampliar a aplicabilidade do modelo e torná-lo uma ferramenta global de combate ao HLB. A guerra contra o HLB continua, mas com a Ciência, Estatística e Bioquímica Molecular como aliadas", conclui.

Os resultados dos estudos destacados estão disponíveis em artigos publicados nas revistas Infectious Disease Modelling e molecules e na tese de doutorado de Amaral, disponível no Repositório Institucional da UFSCar.

*Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) - https://www.icc.ufscar.br/pt-br - https://www.instagram.com/cienciaufscar/ 

 

Comentários