Herbicidas hormonais colocam produção de uva em risco no Rio Grande do Sul
Vinhedos das Regiões Centro, Campanha e Fronteira Oeste estão entre os mais afetados
O proprietário da Vinícola Guatambu, em Dom Pedrito, Valter José Pötter, contabiliza, nos últimos sete anos, um prejuízo de R$ 6 milhões. De acordo com o produtor, o rombo foi causado pela deriva de herbicidas hormonais sobre seus parreirais. "Não consigo colher de 30% a 40% da minha produção de uvas", lamenta Pötter, que afirma haver participado de mais de 65 reuniões para tratar de problemas causados pela aplicação dessas substâncias em lavouras distantes até 20 quilômetros.
De acordo com Pötter, na propriedade da Região da Campanha são cultivadas sete variedades de uvas que sofrem com a contaminação, principalmente, pelo herbicida hormonal 2,4-D, muito utilizado na preparação do solo para o plantio de soja.
"Há diversos produtores desesperados", diz Pötter, que decidiu, inclusive, encerrar as atividades nos pomares de oliveiras. "Não estou mais investindo em nenhum hectare de uva, porque (o herbicida) mata a parreira nova. Não adianta plantar. É dinheiro posto fora", explicou.
Outras regiões do Estado estão sendo impactadas pela deriva do 2,4-D. Em Jaguari, na Região Centro, o presidente da Cooperativa Agrária São José, Jeferson Guerra, diz haver dificuldade para obter a matéria-prima para os vinhos que a entidade elabora. Guerra garante que os sintomas nas videiras surgiram há 12 anos. "Em 2016, conseguimos detectar o produto nas folhas, por meio análise de laboratório. A produção vem caindo radicalmente", diz o dirigente.
"Em 2016, conseguimos detectar o produto em análise de laboratório nas folhas. De lá para cá, a produção vem caindo radicalmente", diz o dirigente.
A cooperativa chegava a receber um milhão de toneladas de uvas, mas, no ano passado, foi abastecida com 300 mil toneladas. "Esse ano vai reduzir mais ainda", prevê Guerra. Conforme o presidente da São José, os sócios da vinícola, de 92 anos, estão reduzindo em 50% os próprios vinhedos. "É lamentável, se continuar a deriva. A cooperativa vai acabar fechando", lamenta o administrador. Dados da cooperativa indicam que 15% dos associados desistiram da vitivinicultura.
A presidente da Associação dos Vitivinicultores da Região Centro do RS, Aline de Oliveira Fogaça, representa vários produtores impactados pelo mesmo problema. Aline afirma que o primeiro laudo comprovando os impactos do 2,4-D data de 2019. A substância provém de lavouras distantes cerca de 20 quilômetros de sua propriedade, em Itaara, assegura a produtora rural.
"Uma quantidade pequena de deriva começou a chegar na região, causando nas frutíferas, em geral, uma queda da vitalidade ao longo do tempo. É algo bem gradual, que vai deixando a planta fraca, como se fosse uma anemia, e aos poucos vai parando a produção ou sofrendo ataque de patógenos", relata.
"Meus vizinhos não tem mais frutíferas. As árvores entraram em declínio e até as nativas estão morrendo. Também notamos uma queda da biodiversidade", salienta Aline. Sua vinícola, a Velho Amâncio, soma prejuízos entre R$ 400 mil e R$ 500 mil desde 2019.
No último dia 6, o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado (Consevitis-RS) e a Federação das Cooperativas Vinícolas do RS (Fecovinho), entre outras entidades, lançaram a Carta de Jaguari. O documento alerta para os graves impactos causados pela deriva de herbicidas hormonais, prejudicando reprodução animal e o meio ambiente nos biomas Pampa e Mata Atlântica.
"A continuidade do uso de herbicidas hormonais ameaça a diversidade agrícola e a saúde da população, e compromete setores importantes da economia nacional, como a vitivinicultura, a fruticultura e outras culturas nas quais se comprovam danos", enfatiza Helio Marchioro, conselheiro do Consevitis. *Matéria Correio do Povo Rural/RS/Larissa Mamouna - 13/12/24.
Cooperativa Agrária São José chegava a receber um milhão de toneladas de uvas, mas, no ano passado, foi abastecida com 300 mil toneladas - Foto: Cooperativa Agrária São José/Divulgação/CP
Produtores e especialistas cobram políticas eficazes contra herbicidas hormonais - Carta de Jaguari destaca prejuízos econômicos, ambientais e à saúde e propõe ações para regulamentação e controle do uso desses produtos
Entidades representativas do setor agropecuário e acadêmico do Rio Grande do Sul e de São Paulo, reunidas em Jaguari (RS) no dia 6 de dezembro, lançaram a Carta de Jaguari, documento que alerta para os graves impactos causados pelo uso de herbicidas hormonais. A aplicação desses produtos tem afetado severamente culturas sensíveis como videira, oliveira, macieira, citros, hortaliças e nogueira-pecã, além de colocar em risco a saúde humana, a reprodução animal e o meio ambiente, com forte impacto nos biomas Pampa e Mata Atlântica.
"A continuidade do uso de herbicidas hormonais ameaça a diversidade agrícola e a saúde da população e compromete setores importantes da economia nacional, como a vitivinicultura, a fruticultura e outras culturas nas quais já se comprovam danos", alerta Helio Marchioro, diretor executivo da Federação das Cooperativas Vinícolas do Rio Grande do Sul (Fecovinho) e conselheiro do Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul (Consevitis-RS).
A Carta destaca que, apesar de normativas e fiscalizações implantadas nos últimos anos, as perdas econômicas e ambientais continuam a crescer, especialmente nas regiões Central e Campanha do RS. O documento propõe 11 medidas urgentes, incluindo:
Proibição do uso de herbicidas hormonais de agosto a março; Aumento das penalizações e criação de um fundo de compensação para produtores afetados; Pesquisas sobre alternativas viáveis ao uso desses produtos; Responsabilização das empresas fabricantes em casos de aplicação indevida; Audiências públicas periódicas e debates com Frentes Parlamentares para dar visibilidade ao problema.
A mobilização inclui ainda a articulação para a tramitação do Projeto de Lei 2.569/2022, que visa regulamentar o uso de herbicidas hormonais no Brasil. O Consevitis-RS lidera a interlocução com as cadeias produtivas, reforçando a necessidade de urgência nas ações para evitar o agravamento dos prejuízos.
Confira a íntegra da Carta:
CARTA DE JAGUARI - PELA NORMATIZAÇÃO DO USO DE HERBICIDAS HORMONAIS
I. CONSIDERANDO que o uso de herbicidas hormonais representa real ameaça para a produção agropecuária e a saúde humana;
II. CONSIDERANDO o prejuízo crescente dos produtores, indústrias e do Estado devido à extinção de culturas sensíveis, como macieira, videira, oliveira, nogueira-pecã, citros, erva-mate, tomate, melancia, hortaliças e outros alimentos, bem como na reprodução animal pela ingestão dos princípios ativos dos herbicidas a que a pastagem é exposta;
III. CONSIDERANDO que ainda no ano de 2015 produtores identificaram, por meio do Projeto de Articulação Institucional, graves problemas causados pelos herbicidas hormonais em várias regiões do estado, à época especialmente na região Central e Campanha;
IV. CONSIDERANDO que existe ação Civil Pública ajuizada no 1º Juízo da 20ª Vara Civil e Ações Especais da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de Porto Alegre desde 2020;
V. CONSIDERANDO que além das cadeias produtivas como negócios os herbicidas hormonais colocam em risco a saúde de produtores, consumidores e população em geral, causam forte impacto ambiental nos biomas pampa e mata atlântica e a consequente redução da biodiversidade vegetal, devido à morte de plantas nativas;
VI. CONSIDERANDO que o Vinhedo Experimental da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) e seu banco de germoplasma têm sido seriamente atingidos, inviabilizando o ensino e a pesquisa em viticultura, fundamentais para o desenvolvimento da atividade em toda a região da Campanha Gaúcha;
Entidades dos setores representantes de diversas culturas atingidas dos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo, em Reunião de Trabalho realizada em 6 de dezembro de 2024, na Comunidade do Chapadão, município de Jaguari-RS, apresentam a necessidade urgente de criação, implantação, fiscalização e aplicação de sanções, conforme ações definidas em plenário a seguir relacionadas:
1. Realizar estudo socioeconômico do impacto dos herbicidas hormonais sobre a economia em todas as unidades federativas afetadas;
2. Realizar estudos e pesquisas que apresentem alternativas à não utilização de herbicidas hormonais;
3. Realizar pesquisas sobre os impactos desses produtos e demais agrotóxicos na saúde da população;
4. Editar a Instrução Normativa SEAPDR n° 13/2022 (que regulamenta o cadastro de aplicadores de produtos agrotóxicos hormonais, sua aplicação e dá outras providências), acrescentando que o produtor usuário de herbicidas hormonais deve comunicar, via sistema SDA, a intenção de aplicação com o mínimo de três (03) dias de antecedência, mantendo a exigência de declaração da aplicação do herbicida hormonal até 10 dias após;
5. Reavaliar e ajustar as medidas legais tomadas, buscando aumentar as penalizações e multas, além de prever a criação de um fundo constituído pela arrecadação dessas multas, o qual será gerido por instituição público-privada, que definirá a aplicação dos recursos, direcionando-os prioritariamente para minimizar o prejuízo dos produtores atingidos, para a ampliação da fiscalização, análises comprobatórias e pesquisa;
6. Estabelecer, de forma legal, a proibição da aplicação de herbicidas hormonais no período que se estende de 1º de agosto a 31 de março de cada ano, mitigando os riscos as culturas sensíveis;
7. Criar um fórum permanente de monitoramento e combate ao uso de herbicidas hormonais e outros agrotóxicos que prejudicam a saúde e o meio ambiente;
8. Determinar que as empresas fabricantes sejam responsabilizadas quando não houver identificação do responsável pela aplicação indevida, com previsão do pagamento de indenizações, as quais deverão ser direcionadas ao fundo público-privado;
9. Realizar audiências públicas periódicas em nível estadual e federal para ampliar o debate sobre o problema e dar ciência sobre os danos e perdas ocasionados;
10. Promover reuniões com Frentes Parlamentares e Comissões Permanentes da área agrícola e da saúde no Congresso e nas Assembleias Legislativas dos estados em que ocorrem danos pelo uso de herbicidas hormonais;
11. Realizar audiência com os governadores dos estados, prioritariamente com o Governador do Estado do Rio Grande do Sul, para que tomem ciência dos prejuízos econômicos e dos danos causados aos programas de incentivo à diversificação da produção, estabelecidos pelo Governo.
Outra medida, já em andamento, é a mobilização das instituições participantes da Reunião de Trabalho junto aos deputados federais para a análise e discussão do Projeto de Lei 2.569/2022, que prevê a regulamentação e o controle do uso dos herbicidas hormonais, o qual está tramitando na Câmara dos Deputados.
O órgão responsável pela interlocução com as diferentes cadeias produtivas afetadas é o Instituto de Gestão, Planejamento e Desenvolvimento da Vitivinicultura do Estado do Rio Grande do Sul - Consevitis-RS.
Ressaltamos a necessidade urgente da efetividade e do apoio do poder público e da sociedade em geral para as ações propostas nessa Carta, que se constitui, em primeira instância, como alerta para as graves consequências decorrentes da continuidade do uso de herbicidas hormonais sobre a saúde e a produção agrícola.
Jaguari-RS, 06 de dezembro de 2024.
Representações presentes na Reunião de Trabalho Herbicidas Hormonais e Signatários da Carta de Jaguari
Associação dos Produtores de Hortifrutigranjeiros de Jaguari RS (APRHOJAR); Associação dos Vinhos Finos da Campanha Gaúcha; Câmara de Vereadores de Jaguari; Consevitis RS; Cooperativa Agrária São José - Vinhos Jaguari; Cooperativa Agrícola Jaguari /COAGRIJAL; Cooperativas de Crédito do RS; Departamento de Defesa Vegetal da SAA SP; Departamento de Defesa Vegetal da SEAPI/RS; Departamento de Fitotecnia da FAEM/UFPEL; Departamento de Solos da UFSM; Emater RS; Embrapa Uva e Vinho; Federação das Cooperativas Vinícolas/Fecovinho-RS; Frente Parlamentar em defesa da Vitivinicultura da Assembleia Legislativa do RS; Instituto Brasileiro de Pecanicultura (Noz Pecan) - Ibpecan; Instituto Federal Farroupilha de Jaguari RS; Pesquisadores do Departamento de Biotecnologia da UFRGS; Prefeitura Municipal de Jaguari; Sindicatos de Trabalhadores Rurais do RS/FETAG; Superintendência Federal do MAPA do RS; Curso de Bacharelado em Enologia, Campus Dom Pedrito/Unipampa; União Brasileira de Vitivinicultura/Uvibra; Vinícola Velho Amâncio.
JUSTIFICATIVA E CONTEXTUALIZAÇÃO - No Rio Grande do Sul, as consequência da deriva de herbicidas hormonais sobre as culturas sensíveis vêm sendo observadas e discutidas desde meados da década de 2010, quando foram propostas e realizadas as seguintes ações:
? Reuniões das instituições do setor vitivinícola com o Ministério Público, Secretaria da Agricultura do RS e Superintendência do MAPA;
? Articulação entre o Ministério Público Estadual e produtores das regiões atingidas, principalmente Campanha e Central do RS, que, por meio de Ação Civil Pública em 2019, resultou na assinatura de um Termo de Compensação entre o Ministério Público Estadual, fabricantes de herbicidas hormonais e a Secretaria da Agricultura do RS;
? Realização de análises laboratoriais das folhas, comprovando a presença dos herbicidas hormonais;
? Publicação de Instruções Normativas pela SEAPI para regulamentação do uso dos herbicidas hormonais, incluindo condutas dos aplicadores e condições climáticas adequadas;
? Realização, pela SEAPI, de cursos e treinamentos para aplicadores;
? Ampliação do processo de controle e fiscalização da aplicação dos herbicidas hormonais.
Contudo, ao longo desse período houve pouco avanço no sentido de evitar as perdas recorrentes nas culturas mencionadas. Além disso, as denúncias têm diminuído anualmente devido à falta de eficácia das medidas coibitivas e de soluções concretas.
Os produtores prejudicados acabam arcando integralmente com as perdas, pois as indenizações são inexistentes e as multas, quando aplicadas, são irrisórias.
As normativas estabelecidas até o momento não têm surtido efeito na mitigação dos danos. As leis municipais, por sua vez, não conseguem estabelecer restrições e proibições efetivas, como a criação de Zonas Livres.
*Consevitis-RS - Assessoria de Imprensa/Diego Adami - Sublinha! Comunicação - [email protected] - (54) 98111-6007 - Fotos Divulgação