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Agricultura que emociona: a produção de alimentos orgânicos em SC

O Núcleo reúne cinco grupos de famílias rurais da região Sul de Santa Catarina, que adotam a certificação participativa por meio da Rede Ecovida de Agroecologia


Produção orgânica no Sul do Estado traz prosperidade para famílias agricultoras

O que te emociona? Um livro, um filme, uma música? Sentada na varanda de sua casa, Loiva aperta os pequenos olhos verdes cheios d'água. Ela se emociona com a própria trajetória como produtora de orgânicos.

Não é pra menos tanta emoção. Filha e neta de agricultores, a produtora rural se orgulha de ser a única que ficou no campo, entre os 60 netos gerados por seus avós maternos e paternos. Por volta do ano 2000, somou mais um desafio à sua vida profissional: tornar-se uma agricultora orgânica. 

Hoje, colhe uma média de cinco toneladas de bananas orgânicas por mês, nos 10 hectares da sua propriedade. Mas até chegar a esse patamar, a "luta", como ela mesmo define, foi grande.

Loiva teve uma companheira nessa batalha, a tia de seu esposo, Cléia Ceza, já falecida. Dona de uma parte das terras que abrigam o bananal, Cléia não gostava de agrotóxicos. "Ela sempre dizia que dentro da propriedade dela ela botava o que queria, e ela não queria veneno", resume Loiva sobre a tia.  

A certificação da produção orgânica veio só em 2006. Antes disso, as agricultoras passaram por um período difícil. "Para vender como convencional, a banana não estava no padrão que o mercado exigia. Pra vender como orgânica, não tinha certificado", descreve Loiva.

Para contornar a situação, Loiva vendia uma parte da produção como convencional, "com preço bem baixo", lembra. O restante era oferecido nas portas das casas e das fábricas da região. Normalmente vendia tudo, mas, caso contrário, dava de presente o que sobrava. O importante era voltar para casa sem banana. 

                              Loiva produz banana orgânica e mantém uma agroindústria - Fotos: Aires Mariga/Epagri

"Hoje, eu não sei se teria essa vontade, nem essa disposição, mas na época eu tinha. Eu queria vencer, eu queria certificar, eu queria vender o meu produto, mostrar que ele era bom. E pra mim não era trabalhoso, não era custoso, não era ruim fazer aquilo, eu fazia com o maior prazer de chegar em casa com o carro vazio, não me interessava se tinha muito dinheiro ou pouco, interessava que o produto tinha ido e eu não jogava fora", relata a produtora.

Com a certificação, as coisas começaram a melhorar. As redes supermercadistas da região foram os primeiros grandes compradores. "Chegávamos nós, duas mulheres, falando de orgânico, que não tinha na minha cidade ainda. E quando a gente chegava lá, se deparava com aqueles vendedores todos de notebook, muito chique. A gente saía de lá e ria muito. A tia dizia: de certo eles imaginam que a gente é uma vendedora muito grande. E éramos pequenas agricultoras". 

Tudo foi dando certo. Os mercados abriram as portas diante do produto novo, que despertava a curiosidade do público, e o ânimo de Loiva foi crescendo. Hoje ela já não distribui para supermercados, quase toda sua produção vai para cooperativas, que entregam para as escolas da região. 

Quem visita as feiras locais também pode comprar suas bananas, além dos produtos da agroindústria Ciranda Sabores Orgânicos, cuja certificação ela conquistou há dois anos. São bolos, geleias, balas, passas achocolatadas, biomassa, farinha e muito mais, feitos com banana orgânica e uma grande dose de carinho. 

                               Saymon (de crachá): Epagri apoia produtores orgânicos em todos os elos da cadeia produtiva, inclusive na comercialização

Certificação participativa - A história de Loiva se confunde com a do Núcleo Serramar, do qual ela é uma das fundadoras. O Núcleo reúne cinco grupos de famílias rurais da região Sul de Santa Catarina, que adotam a certificação participativa por meio da Rede Ecovida de Agroecologia. 

Saymon Antonio Dela Bruna Zeferino, extensionista da Gerência Regional da Epagri em Criciúma e um dos responsáveis por dar orientação técnica aos agricultores orgânicos da região, explica que existem três formas de certificação de produção orgânica: a participativa, a auditada e a de Organização de Controle Social (OCS). 

Na participativa, os integrantes do grupo se autofiscalizam, garantindo que todas as exigências legais sejam cumpridas. Cada família produtora paga em média R$300,00 por ano para a instituição certificadora. Esse valor fica em torno de R$600,00 anuais para as agroindústrias. 

Na certificação auditada, realizada por representantes da certificadora, o valor anual varia entre R$3 mil e R$5 mil, dependendo do local e do acordo que é feito, segundo Saymon. Já a certificação de OCS é adotada por quem só pratica venda direta ao consumidor, ou seja, vende na propriedade, numa feira ou entregando cestas de produtos, por exemplo. Neste caso, o agricultor não recebe certificado, mas precisa ter cadastro no Ministério da Agricultura e Pecuária (MAPA). 

A certificação participativa foi o modelo adotado por Loiva e pela maioria dos produtores da região. Ela diz que poderia ser certificada por auditoria, mas preferiu a outra. Já foi coordenadora de grupo, do núcleo Serramar e da rede Ecovida. Hoje é do comitê de ética, que faz visitas para conferir a conformidade das propriedades. 

"Eu sempre gostei do coletivo, amo dividir com todos, isso tá em mim. Se tu está caminhando sozinho, não consegue ver, mas se está em grupo, consegue ver que teve mudança, no coletivo é melhor, né?", pondera, com a animação que lhe é típica. 

Foi essa visão de coletividade que atraiu Dalvacir Simone Gabriel para a certificação participativa. Ela abandonou uma rotina de 30 anos produzindo fumo para plantar hortaliças orgânicas na sua propriedade em Içara, município vizinho a Criciúma. 

Trocou de ramo há cerca de oito anos e hoje produz o suficiente para entregar para uma rede de supermercados, para alimentação escolar e ainda sobra para comercializar em feiras de Içara e Criciúma, onde também distribui sua simpatia. A barraca de orgânicos da feira de Criciúma existe por iniciativa dela, da Loiva e da Fátima, outra produtora da região. "Resolvemos montar uma feira junto, em grupo, cada uma produz alguma coisa, é por isso que dá certo", relata ela. 

Do fumo para o orgânico - Quem também tem orgulho de ter abandonado a produção de fumo para migrar para o orgânico é o casal Janete e Leo Dalmolin, de Criciúma. 

O casal cultivou fumo por 30 anos e, nesse período, Leo teve três intoxicações com agrotóxicos. Náuseas e tonturas foram os sintomas do envenenamento. Há cerca de sete anos, optaram pela banana orgânica. 

Hoje, exploram três hectares do bananal centenário, plantado pelos avós de Leo na propriedade da família. Não usam aditivos químicos e aplicam poucos produtos. A plantação recebeu esterco de peru em 2019, depois mais nada. "Aquela lá no morro mesmo, faz tempinho que não boto nada, mais orgânica não tem, tá só na minhoca", relata Leo.

A produção da família gira em torno de 1 tonelada a 1,5 tonelada por mês, que é entregue praticamente toda para alimentação escolar, a quase R$ 5 o quilo. 

Alimentação escolar - Boa parte do que os produtores orgânicos da região tiram da terra vai para a alimentação dos alunos das redes municipais de ensino locais. Na prefeitura de Içara, pioneira na priorização de orgânicos na alimentação escolar, cerca de 7 mil crianças e adolescentes consomem pelo menos uma vez por semana produtos provenientes de lavouras limpas.

Para 2023, a prefeitura de Içara adquiriu 153.148 kg de alimentos. Deste total, 49.790 kg são orgânicos. 

Atualmente, Içara serve de exemplo para outros municípios da região, que também passaram a priorizar a compra de orgânicos para alimentação dos estudantes. "Se a prefeitura investir no produto orgânico, vai economizar na saúde lá na frente, é uma escolha que precisa ser feita", afirma Rúbia, destacando que, apesar de ser uma ação individual, a opção por orgânicos se reflete em toda a sociedade. "É uma questão social, cultural e ambiental", reflete ela, lembrando que, com esse tipo de ação, o poder público investe no futuro das novas gerações. 

Parceria com a Epagri - Produzir alimentos orgânicos requer muito conhecimento e persistência por parte dos agricultores, que contam com apoio da Epagri para não desanimar diante de tamanho desafio. "No geral, falta informação, as pessoas acham que é difícil, que é impossível, que não tem mercado, ou que os produtos serão muito caros", descreve o extensionista em relação ao que percebe dos agricultores que se interessam pela produção livre de agrotóxicos.

A Epagri oferece muito além da assistência técnica nas propriedades rurais. São realizadas reuniões, viagens, dias de campo, seminários, encontros, oficinas e outros eventos para promover a interação dos agricultores novatos com os mais experientes, de modo a provar que é possível viver com qualidade a partir da produção orgânica. "Tudo o que está ao redor da legalização dessa comercialização, definição de ponto, projetos de crédito para compra de barracas ou estruturar empreendimentos, damos apoio", enumera Saymon. 

Foi também a Epagri que deu o empurrão que faltava para Dalvacir trocar o fumo pela produção orgânica. "O pessoal da Epagri começou a incentivar e eu comecei, devagarzinho, fazendo cesta, entregando nas casas, depois colocaram nas escolas, começaram as feirinhas, e fomos indo", lembra ela, ressaltando que o início "foi muito difícil".  "A gente não estava acostumado, mas com incentivo do pessoal da Epagri, da prefeitura, todo mundo junto, muita reunião, muito curso, a gente foi tocando". 

As atividades promovidas pela Epagri também forneceram as informações que Loiva precisava para concretizar o sonho de produzir orgânicos. "A Epagri foi bastante parceira, em todo tempo", descreve, destacando que especialmente as viagens contribuíram para "abrir a mente" e aumentar a força de vontade. "Não vou desistir nunca", era o pensamento de Loiva ao retornar desses compromissos. 

"Há muito sentimento envolvido nas famílias agricultoras que optam pelo orgânico", declara Saymon. A fala dos produtores orgânicos de Içara e Criciúma, comprovam essa tese. Alegria, orgulho, bom humor, empolgação, saudade, força de vontade, prazer, carinho, gratidão, amor, coletividade e simpatia foram alguns dos sentimentos demonstrados por eles ao descreverem as próprias trajetórias. Além, é claro, dos olhos cheios de lágrimas da Loiva, que falam por si só. *Gisele Dias - Epagri

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