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Clima hostil desafia produtores de vinho

Temperatura mais alta muda teor alcoólico da bebida; em São Paulo, produção migra


Está ficando monotemático. Mas não há como fugir. As irregularidades no clima também já afetam a produção de vinho mundo afora. E aqui não é diferente. A falta de previsibilidade desafia produtores de vinhos e dificulta a manutenção da vitivinicultura como a conhecemos hoje. Segundo especialistas, o aumento global da temperatura poderá ser sentido no paladar, e minimizar esse impacto é o desafio dos produtores.

"Temperaturas mais quentes fazem com que as uvas amadureçam mais rápido, resultando em mais açúcar na uva. Isso afeta o teor alcoólico, o nível de acidez e a cor do vinho", explica Henrique Pessoa dos Santos, pesquisador de fisiologia da produção da Embrapa Uva e Vinho, de Bento Gonçalves (RS).

A palavra-chave, diante desse cenário, é adaptação. "Produtores de vinho dos quatro cantos do mundo já pesquisam novos tipos de uva, diferentes janelas de colheita e alteração das regiões de plantio para preservar as características únicas que diferenciam as bebidas entre si", afirma Santos.

Temperaturas mais quentes fazem com que as uvas amadureçam mais rápido, resultando em mais açúcar na uva - Foto: Revista da Fruta

Vinhedos dependem de climas regionais específicos para produzir seus perfis de sabor característicos e, por isso, alguns tipos não conseguirão permanecer em sua região de origem. Vinhos 'tranquilos', por exemplo, dependem do clima mediterrâneo (caracterizado por verões quentes e secos e invernos suaves e úmidos), enquanto espumantes podem ser favorecidos com as mudanças atuais, de acordo com o especialista.

Não é apenas o aumento da temperatura que afeta a produção das uvas viníferas. Padrões climáticos voláteis incluem mudança na incidência de geadas e chuvas. Até mesmo dias nublados impactam a produção. 

"Muitos dias nublados levam ao crescimento excessivo da planta e das folhas, por exemplo. Além disso, há a necessidade de horas mínimas de frio, antes do período de chuvas, para promover o período de dormência da planta e permitir que a brotação seja iniciada no tempo certo", acrescenta o pesquisador.

Dados da Embrapa apontam que, neste ano, os cultivos de vinho no Sul contaram com 229 horas de frio (7,2ºC), enquanto são necessárias 409 horas para dormência ideal da planta.

Nesse cenário de alterações no clima, regiões que não eram tradicionais na produção de vinho começam a atrair investimentos, como é o caso da Alta Mogiana paulista, mais conhecida pela cafeicultura.

Luiz Biagi, produtor de vinhos da cidade de Cravinhos, na Alta Mogiana, começou na atividade em 2019, e já estava atento à questão climática. "Escolhemos uma região nova, não tradicional, que está vindo a se tornar vitivinícola, graças à amplitude térmica que está apresentando, com dias mais quentes e noites mais frias, que chegam a 20 graus", afirma. "Ter escolhido um local já pensando nas possibilidades de alterações climáticas e enxergando os pontos fortes disso é um dos fatores de sucesso da nossa produção", diz.

O clima também influenciou a escolha das uvas a serem cultivadas. Num mercado dominado por variedades francesas, afirma ele, a opção foi por plantar uvas italianas. Inicialmente, foram cultivados 12 hectares das variedades Moscato Giallo, Nebbiolo e Sangiovese. "São uvas consagradas na Itália, de vinhos famosos como Brunello, Chianti e Barolo", observa, complementando que a ideia é que o vinhedo chegue a 20 hectares, atingindo uma produção anual de cerca de 100 mil garrafas de vinho".

O clima influenciou ainda a escolha do manejo: a dupla poda, também conhecida como poda invertida ou de inverno. A prática consiste em transferir a colheita do verão, como ocorria tradicionalmente, para o inverno, com objetivo de "enganar" a planta.

A colheita de inverno acontece entre julho e agosto e permite, assim, que o período de maturação da uva ocorra em dias ensolarados, com noites frescas e solo seco. Esse clima é apontado por pesquisadores como fundamental para a qualidade dos vinhos produzidos no interior.

"A primeira colheita acontece em janeiro, com muita chuva e muito sol. As uvas dessa safra são destinadas à produção de vinhos brancos e espumantes. Na sequência, é realizada uma poda grande na videira. Em meados de fevereiro, a planta entra em hibernação, período em que tenta se adaptar às mudanças. O próximo passo é a floração, maturação e segunda colheita, que acontece em julho e agosto", explica. *GR/Maria Emília Zampieri e Eliane Silva

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