Irrigação inadequada afeta a produtividade, a qualidade dos frutos e impacta o meio ambiente
A maior parte das áreas produtoras de uvas empregam, no Brasil, sistemas de irrigação por gotejamento ou microaspersão
O Brasil apresenta 75.731 ha cultivados com videiras, sendo o Rio Grande do Sul o maior produtor nacional, com 47.502 ha, seguido de Pernambuco, com 8.256 ha, São Paulo, com 8.164 ha, Paraná, com 4.000 ha, Santa Catarina, com 3.999 ha, Bahia, com 2.069 ha, e Minas Gerais, com 1.124 ha (Mello, 2019). Esses sete estados representam, assim, 99% da área vitícola do país. A maior parte dos vinhedos da região Sul e do estado de São Paulo não utiliza sistemas de irrigação; no Rio Grande do Sul, ela é empregada, principalmente, na produção de uvas de mesa sob cobertura plástica e no estabelecimento de novas áreas na região da Campanha, para a produção de vinhos finos. No Norte do Paraná, alguns produtores de uvas de mesa também têm irrigado seus vinhedos, a fim de evitar perdas por estiagens que, ocasionalmente, ocorrem na região.
Em São Paulo, os produtores das regiões ao Sudeste do estado, como Jundiaí, São Miguel Arcanjo e Indaiatuba, não costumam utilizar irrigação em seus vinhedos. Por outro lado, todas as propriedades vitícolas da região Noroeste paulista utilizam sistemas de irrigação, em função do clima tropical da região, que permite a produção de uvas nos períodos do outono e do inverno, os mais secos do ano. Também em outras regiões tropicais, como as do Vale do Submédio São Francisco e do Norte de Minas Gerais, a viticultura só é viável com o uso da irrigação. Assim, enquanto nas regiões de clima tropical a irrigação tem sido prática obrigatória à viticultura, em regiões de clima temperado e subtropical é uma prática opcional, com adoção dependente do retorno econômico que o investimento e a manutenção do sistema de produção possam proporcionar, principalmente em relação aos ganhos de produtividade. Por exemplo, uma área produtora de uvas de mesa em que as perdas médias decorrentes de estiagens sejam da ordem de 5.000 kg/ha e em que o preço médio de venda das uvas seja de R$ 3,00/kg, as perdas econômicas seriam de R$ 15.000,00/ha, valor correspondente ao de aquisição de um sistema de irrigação, que seria pago, portanto, em apenas uma safra. Outras variáveis econômicas, no entanto, devem ser consideradas, como o ganho real em produtividade devido ao uso da irrigação, que pode oscilar conforme o ano, além da flutuação dos preços dos produtos, da depreciação dos equipamentos, dos custos com energia elétrica e de mão de obra - ou da automação, se for o caso -, entre outras. De qualquer forma, uma vez decidida a aquisição de um sistema de irrigação, o produtor deve ter em mente que o seu uso requer manejo racional para obtenção de alta eficiência no uso da água e baixo impacto ambiental.
Sistema de irrigação - A maior parte das áreas produtoras de uvas empregam, no Brasil, sistemas de irrigação por gotejamento ou microaspersão, que proporcionam maior eficiência à aplicação em relação à irrigação por sulcos ou por aspersão convencional, conforme detalhado a seguir.
Gotejamento - No gotejamento, a água é aplicada somente na fileira de plantas (Figura 1), enquanto as entrelinhas se mantêm secas, o que facilita o controle da vegetação espontânea, reduz as perdas de água por evaporação direta da superfície do solo e permite a operação das práticas culturais durante a aplicação de água. A fertirrigação1 torna-se praticamente obrigatória no uso desse sistema, porque permite que os nutrientes fiquem disponíveis às plantas na mesma região do solo em que a água estiver sendo aplicada. Se isso não ocorrer, os fertilizantes e a matéria orgânica aplicados não poderão ser absorvidos pelo sistema radicular da cultura. Também é fundamental no gotejamento a filtragem da água para evitar entupimentos, incluindo, normalmente, um filtro de tela (ou discos) e um filtro de areia. A elevada presença de ferro dissolvido na água pode, por sua vez, provocar entupimentos devido à precipitação, na proximidade dos gotejadores, decorrente do contato da água com o ar. Para evitar a precipitação, faz-se necessária a adoção de sistema prévio de decantação da água ou a injeção periódica de produtos antioxidantes na água de irrigação, o que encarece o sistema. 1
Fertirrigação: termo técnico que designa a aplicação de fertilizantes dissolvidos na água de irrigação, considerada um manejo eficiente e econômico, adequado, principalmente, às regiões de climas árido e semiárido. Permite aplicar fertilizantes em menores quantidades por vez e com maior frequência, o que mantém o teor de nutrientes no solo nas quantidades exigidas ao longo das diferentes fases do ciclo da cultura (Basso et al., 2010).
Microaspersão - No sistema de irrigação por microaspersão, as mangueiras ficam em geral presas ao aramado do parreiral, com microaspersores operando de forma invertida, abaixo do dossel da cultura (Figura 2). Esse sistema é, normalmente, menos suscetível a entupimentos se comparado ao gotejamento; mas há, em geral, a necessidade de uso apenas de filtros de tela (ou discos). Como a água é aplicada sobre a superfície do solo, pode-se realizar a adubação a lanço, como ocorre, muitas vezes, em pequenas propriedades rurais do Sul e do Sudeste do país. O umedecimento das entrelinhas permite, também, a disponibilização da matéria orgânica para as videiras, quando aplicada em sulcos. Por outro lado, esse umedecimento entre as fileiras faz com que parte da água aplicada se perca por evaporação do solo, ou que seja consumida pela vegetação espontânea. Tais perdas ocorrem, principalmente, em vinhedos conduzidos em espaldeira ou em Y, uma vez que no sistema de condução em latada o sombreamento da copa reduz a evaporação da superfície e a transpiração das plantas de cobertura do solo (Conceição, 2012).
Necessidade de água na cultura - O consumo hídrico das videiras está relacionado às condições ambientais, como temperatura do ar (T), velocidade do vento (Vv), umidade relativa do ar (UR) e radiação solar (Rs). Quanto maiores forem os valores de T, Vv e Rs, e quanto menor for o valor da UR, maior será a necessidade de água das plantas. Mas isso está relacionado, também, a outros fatores característicos da cultura, principalmente à área foliar que intercepta a radiação solar incidente no parreiral, que pode ser estimada com base na porcentagem da área sombreada (PAS) pelo dossel das plantas (Conceição, 2016a). Plantas conduzidas em sistemas que apresentem maior cobertura da superfí cie do solo - como, por exemplo, a latada (Figura 3A) - tendem a apresentar maior consumo hídrico, em relação a sistemas com menor cobertura do dossel, como a espaldeira (Figura 3B). Também pode afetar a demanda hídrica de um vinhedo a presença de vegetação espontânea ou de cobertura morta sobre o solo (Conceição, 2012).
Irrigações muito frequentes - por exemplo, a cada um ou dois dias - aumentam as perdas por evaporação, principalmente em sistemas de microaspersão, uma vez que mantêm a superfície do solo sempre úmida. Já a presença de cobertura com tela ou plástico impermeável sobre o parreiral tende a reduzir a demanda hídrica, devido à redução na incidência de radiação solar sobre o dossel (Conceição, 2016a).
Solos e raízes - A capacidade de armazenamento da água pelos solos varia de acordo com sua textura e estrutura; solos mais arenosos ou compactados tendem a apresentar menor capacidade de armazenamento em relação a solos mais argilosos e bem estruturados. A presença de matéria orgânica também contribui para uma maior retenção e disponibilização da água do solo para a cultura. Para fins de irrigação, a capacidade hídrica do solo está, também, relacionada à profundidade efetiva alcançada pelo sistema radicular da cultura.
No caso da videira, embora o sistema radicular possa atingir vários metros de comprimento, ele costuma se concentrar a uma profundidade média de aproximadamente 50 cm - profundidade efetiva -, variando conforme a cultivar, o porta-enxerto e o tipo de solo (Conceição, 2012). No manejo da irrigação, deve-se evitar que a água chegue às camadas abaixo da profundidade efetiva das raízes, para impedir que ocorram perdas por drenagem profunda. Todavia, deve-se observar que, em solos com problemas de salinidade, mais comuns nas regiões semiáridas, são recomendadas aplicações de maior volume de água na irrigação, visando à ocorrência de drenagem e à lixiviação do excesso de sais do perfil do solo. Nesse caso, o excesso deverá ser retirado da área cultivada por meio de sistemas de drenagem instalados no local. Para se monitorar a umidade do solo, podem-se empregar sensores específicos, como, por exemplo, tensiômetros ou sensores do tipo Irrigas® (Conceição, 2016c). Os sensores devem ser instalados na parte central da profundidade efetiva das raízes (cerca de 25 cm), de modo a permitir o monitoramento da disponibilidade de água para as plantas, e, ainda, imediatamente abaixo dessa região (cerca de 60 cm de profundidade), para verificar a ocorrência de perdas por drenagem profunda (Conceição, 2012).
Manejo da irrigação - Para se calcular o tempo e o momento da aplicação da água, são necessárias informações sobre a demanda hídrica da cultura, o sistema de irrigação e a capacidade de retenção de água do solo. Para facilitar esses cálculos, podem ser empregadas planilhas eletrônicas, como as do sistema Irrivitis (Conceição, 2016b). No caso das uvas de mesa, além de evitar aplicações excessivas de água, o manejo da irrigação deve manter as condições hídricas adequadas à produtividade máxima da cultura, já que a ocorrência de deficiência hídrica pode afetar a produção e o tamanho das bagas. Já para as uvas de processamento, especialmente as destinadas à elaboração de vinhos finos, um manejo com deficiência hídrica controlada é, muitas vezes, utilizado, com vistas a melhorar a qualidade final do produto. Os critérios, contudo, para a realização desse tipo de manejo devem ter origem em pesquisas realizadas na região específica do cultivo, uma vez que cada cultivar responde de forma diferente ao déficit hídrico, de acordo com as condições de clima e solo de cada local. Ao implantar um sistema de irrigação em vinhedo, o produtor deve estar consciente de que a água é um bem escasso, que precisa ser utilizado com critério e eficiência. Além disso, o uso inadequado da irrigação pode prejudicar a produtividade e a qualidade dos frutos, bem como acarretar impactos ambientais indesejáveis. Daí a importância de um dimensionamento correto do sistema e de um manejo racional da água de irrigação. Sistemas mal dimensionados operam de forma desuniforme, em que uma parte da área de cultivo recebe água em excesso e outra parte em deficiência. Já o manejo incorreto da irrigação pode provocar perdas de água, de nutrientes e de energia, além de prejudicar a cultura, reduzindo a produtividade e a qualidade final dos produtos. *Visão Agrícola/Esalq
**Marco Antônio Fonseca Conceição é engenheiro civil, D. Sc. em agronomia - irrigação e drenagem; pesquisador na Embrapa Uva e Vinho, Estação Experimental de Viticultura Tropical ([email protected]).
Referências bibliográficas: BASSO, L. H. et al. Irrigação e fertirrigação. Embrapa Semiárido, Sistemas de Produção, 1-2. ed., Versão Eletrônica, ago. 2010. Disponível em: http://www.cpatsa.embrapa.br:8080/ sistema_producao/spuva/irrigacao.html. Acesso em: 16 fev. 2021. CONCEIÇÃO, M. A. F. Estratégias de manejo para aumentar a eficiência do uso da água na viticultura irrigada. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2012. (Comunicado Técnico, 130). CONCEIÇÃO, M. A. F. Modelos para estimativa dos coeficientes (Kc) de videiras irrigadas. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2016a. (Circular Técnica, 132). CONCEIÇÃO, M. A. F. Planilhas para estimativa da necessidade hídrica e manejo da irrigação de videiras. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2016b. (Folder). CONCEIÇÃO, M. A. F. Uso de sensores Irrigas® para o manejo da água na produção de uvas de mesa no Noroeste Paulista. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2016c. (Comunicado Técnico, 183). MELLO, L. M. R. de. Vitivinicultura brasileira: panorama 2019. Bento Gonçalves: Embrapa Uva e Vinho, 2019. (Comunicado Técnico, 214). Figura 3. Videiras conduzidas no sistema latada (A) e no sistema espaldeira (B) Fonte: Elaborada pelo autor (Conceição, 2021). B a visão agrícola nº14. ***Elaborada pelo autor (Conceição, 2021)