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Produção brasileira de mudas de morangueiro: oportunidade de mercado (Luís Eduardo Corrêa Antunes e Sandro Bonow)

A permanência prolongada da planta num espaço restrito para suas raízes (bandeja de 128 células, por exemplo) levará a uma situação de estresse, o que impactará no estabelecimento da futura muda no sistema de produção


Com área aproximada de 6 mil hectares, o Brasil é o principal produtor de morangos da América do Sul. Anualmente os produtores demandam mais de 200 milhões de mudas. Cerca de 30% é atendido pela importação de mudas cujos viveiros localizam-se na Patagônia, seja chilena ou argentina, e ainda de viveiros espanhóis. Portanto, 70% da demanda é atendida por mudas brasileiras, em grande parte produzida informalmente. Com o desenvolvimento de cultivares brasileiras, recentemente registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (https://sistemasweb.agricultura. gov.br/pages/SNPC_CW.html), há oportunidades para empreendedores locais licenciados, de produzir mudas de morangueiro genuinamente brasileiras.

O morangueiro é uma planta típica de clima temperado. O gênero Fragaria possui mais de cem de espécies distribuídas em todos os continentes. A espécie utilizada comercialmente nos dias atuais (Fragaria ananassa Duschesne) surgiu por meio de cruzamento espontâneo na França no início do século 18, cuja história, peculiaridades e características são relatadas por inúmeras publicações (Darrow, 1966; Antunes et al., 2016; Sharma et al. 2019).

A planta inicia naturalmente seu processo de perpetuação, ou seja, de propagação vegetativa na estação da primavera e verão, isto é, em condições de elevação de temperatura e aumento do fotoperíodo, que no Brasil corresponde aos meses de outubro, novembro, dezembro e janeiro. Estas condições 'disparam' o processo metabólico e fisiológico de emissão de formação das chamadas 'pontas' de estolões (Dal Picio, 2010; Husaini; Neri, 2016). Segundo Lerner et al. (2011) matrizes plantadas em setembro geram mais 'pontas' (e potencialmente mais mudas), se comparadas a matrizes plantadas em outubro e novembro.

Durante o processo de crescimento dos estolões há formação do que se conhece como pontas de estolão ou nós. Estas pontas são estruturas diferenciadas que formam 'nós' a intervalos regulares. Nestes nós há formação de novo conjunto de trifólios e início de formação de primórdios de raízes adventícias. Estes, quando encostados em alguma superfície, solo ou substratos, intensificam sua expansão, diferenciação e crescimento das raízes, que potencialmente resultarão em nova planta. Este processo acontece durante a primavera e verão, havendo, a partir de cada nó o lançamento de novas estruturas, aumentando o tamanho do estolão e formação de novos nós, de forma subsequente e natural, sem a interferência humana, até findo as condições ambientais favoráveis (outono). Portanto, é um processo natural e intrínseco ao gênero Fragaria.

A formação comercial de mudas de morangueiro se dá em viveiros a campo, direto no solo, onde as matrizes emitem estolões que enraízam ao redor da planta matriz. No Brasil, devido a proibição do uso de agentes fumigantes do solo, a pressão dos patógenos que naturalmente habitam aquele meio podem contaminar as mudas com doenças cujo controle no sistema de produção onerará os custos de produção, podendo resultar em morte de plantas, com redução do estante de plantio e redução dos índices de produção.

Considerando as limitações do formato tradicional de produção de mudas a campo, é necessário considerar outras alternativas. Há formatos consagrados e descritos na literatura brasileira (Gimenez et al, 2008; Oliveira, 2009; Gonçalves et al., 2016) e mundial (Durner et al., 2002; Rowley et al., 2010) d formação destas mesmas estruturas verticalmente, a partir da manutenção das matrizes suspensas em vasos e/ou canaletas, em sentido basal, fertilizados em sistemas fechados ou abertos.

A coleta e utilização das 'pontas', independentemente da posição sequencial (ordem), deve ser feita quando o estolão apresentar primórdios radiculares com, pelo menos, 3 mm de comprimento, de coloração variando do branco ao amarelado, com dois trifólios, e diâmetro da coroa adequado, que gere uma muda com calibre de coroa com no mínimo 5 mm (BRASIL, 2012), que é o padrão brasileiro, segundo a Instrução Normativa 28, de 2012, do MAPA (Figura 1).

Figura 1: Ponta de estolão com padrão para produção de mudas de morangueiro, segundo orientações da Embrapa.

Foto: Luís Eduardo Corrêa Antunes

Produção de mudas envasadas - As formas de propagação do morangueiro, podem ocorrer naturalmente ou ser controlada pelo homem, principalmente quando em viveiros.

No processo de formação das mudas envasadas o ponto para coleta de estolões é importante. Para viveiros comerciais não é recomendado a coleta precoce de pontas de estolões, segundo Shi et al. (2021), pois reduz a quantidade de pontas (tips) com potencial de tornarem-se novas plantas, por vários motivos. Primeiro, há clara redução do potencial de produção de propágulos por metro quadrado de viveiro. Segundo, pontas muito novas, como por exemplo os primeiros nós do estolão requerem estrutura especializada, visto que são estruturas frágeis, para tornarem-se mudas de qualidade e não resultam em mudas de qualidade (raiz compactada) na época indicada para plantio (março/abril).

Outro aspecto importante diz respeito ao ambiente de produção da muda, tipo de bandeja, onde as plantas se desenvolvem. Em relação às bandejas, são recomendadas comercialmente para mudas envasadas (torrão) de morangueiros aquelas com volume de célula a partir de 90 mL de capacidade (Figura 2), uma vez que volumes menores restringem o crescimento do sistema radicular, devido ao reduzido volume de área de célula disponível (Figura 3), o que reduz o tempo de permanência na bandeja, da muda em formação (ocorrerá rápido estrangulamento das raízes), onerando o viveirista pela perecibilidade do produto e pelo prejuízo fisiológico, o que leva a depreciação do produto final.


 

Figura 2: Produção adequada de mudas de morangueiro, envasadas em bandejas com capacidade de substrato de 90 mL, mostrando a formação do sistema radicular. Muda sendo retirada da célula da bandeja de plástico rígido 90 mL (A - foto acima). Aparência das raízes após o desenvase, em bandeja de isopor (poliestireno expandido) de 72 células (B - foto abaixo).Fotos: Luís Eduardo Corrêa Antunes

Figura 3: Muda de morangueiro com sistema radicular enovelado, consequência do uso de bandejas

com volume inadequado de substrato. Foto: Luís Eduardo Corrêa Antunes

A permanência prolongada da planta num espaço restrito para suas raízes (bandeja de 128 células, por exemplo) levará a uma situação de estresse, o que impactará no estabelecimento da futura muda no sistema de produção adotado pelo produtor (seja a campo, no solo, ou em abrigo, em substratos, semi hidropônico ou sem solo), causando atraso no início da produção, levando a baixa qualidade de suas flores e por consequência a qualidade do morango.

Portanto, às empresas que produzem mudas de morangueiro envasadas, utilizam na composição do substrato normalmente encontrado no comércio, material de fácil drenagem como fibra de coco, perlita, casca de arroz carbonizada, entre outros utilizados para preenchimento das células das bandejas.

Outro ponto a ser considerado é o manejo da planta matriz. Ao iniciar a indução dos estolões, a planta o faz continuamente por meses. A retirada precoce das primeiras pontas, resultarão em mudas prontas um mês após o início da coleta, em época que não é recomendado o plantio, ou que o produtor não está preparado para o plantio, ou seja, o verão, período mais quente do ano. Esta estratégia não é utilizada pelos viveiristas brasileiros.

A produção de mudas de forma continuada causará desuniformidade dos lotes em termos de idade e permanência na bandeja, já que a recomendação de plantio de novas lavouras de morangueiro é no final do verão e início do outono, ou seja, março. Cedo demais, induz vegetação demasiada, sem reflexo positivo na produção de morangos. Plantio demasiado tardio coincide com período de temperatura mais baixa, o que reduz o crescimento vegetativo e formação da planta, aumentando o intervalo do plantio ao início da colheita de morangos, além de concorrer com mudas importadas.

Desta forma, a coleta das pontas, independente da ordem, tem que ser feita em uma curta janela de produção, para que as mudas fiquem prontas para o plantio, dentro das épocas recomendadas pela pesquisa. Assim, o tempo de permanência da muda na bandeja tem que ser compatível com o volume da célula utilizada, evitando estresse e prejuízo à formação do sistema radicular, evitando estrangulamento e suberização das raízes.

Ainda, por opção, o viveirista pode frigorificar as pontas. Em experimentos realizados pela equipe liderada pelo prof. Jerônimo Andriolo (Universidade Federal de Santa Maria, RS), de setembro de 2009 a novembro de 2010, com as cultivares 'Camarosa', 'Diamante' e 'Arazá', verificaram que a frigoconservação das pontas de estolões, para posterior enraizamento e produção de plug plants, não afeta o crescimento e a taxa de sobrevivência das mudas. A produção de morangos das plantas oriundas dessas mudas diminui com o aumento do período de frigoconservação, enquanto a emissão de estolões aumenta linearmente, com diferenças entre as cultivares (Schmitt et al., 2012).

Considerações Gerais: A retirada precoce e sistemática de pontas de estolões resulta em mudas de qualidade duvidosa, visto que estarão aptas para plantio num período dissonante daquele recomendado efetivamente para plantio, e diversos da própria demanda da maioria dos produtores, portanto permanecerão tempo demasiado longo embasejados, no viveiro.

Viveiros comerciais que produzem mudas envasadas (torrão) concentram a coleta das pontas de estolão nos meses de verão (independente da ordem), buscando ofertar mudas no início do outono (janela de mercado), período que antecede a entrada de mudas importadas da patagônia, e período recomendado de plantio para maioria das regiões de produção, nas regiões Sul e Sudeste.

Portanto, mudas de qualidade, proveniente de viveiros credenciados pelo MAPA, que possuam licenças para multiplicação de cultivares protegidas e que ofertem plantas de qualidade na época em que o produtor necessite é fundamental para que a cadeia produtiva possa produzir e entregar aos consumidores morangos de qualidade e seguros.

* Luís Eduardo Corrêa Antunes e Sandro Bonow - Eng. Agr. Dr. Pesquisador Embrapa Clima Temperado - [email protected]

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