Artigos Técnicos

Manejo da cochonilha piolho-de-São-José, uma praga em expansão na fruticultura sul-brasileira

A alta umidade relativa característica de regiões como o Meio Oeste e Serra Catarinense e a Serra Gaúcha favorecem o desenvolvimento de fungos oportunistas sobre os escudos em decomposição


Figura 6. Predador do piolho-de-São-José que pode ser facilmente confundido com a cochonilha-branca do pessegueiro

Nos últimos anos, no Sul do Brasil, as frutíferas de clima temperado vêm sendo afetadas por surtos populacionais da cochonilha piolho-de-São-José (PSJ), Comstockaspis perniciosa (Comstock, 1881) (Hemiptera: Diaspididae)*. Essa cochonilha pertence à mesma família de outras espécies já conhecidas pelos fruticultores: a cochonilha-branca do pessegueiro, Pseudaulacaspis pentagona (Targioni Tozzetti, 1886) (Hemiptera: Diaspididae), e a cochonilha-de-tronco da videira, Hemiberlesia lataniae (Signoret, 1869) (Hemiptera: Diaspididae). Apesar de possuir aspectos morfológicos e biológicos semelhantes às outras espécies, o PSJ possui tamanho notoriamente menor, o que dificulta a diagnose e a adoção de medidas de controle no início das infestações.

Por não ser facilmente diagnosticada nos pomares no pico de ninfas migratórias, as populações do PSJ crescem descontroladamente, ao ponto de cobrirem quase que completamente os ramos das plantas infestadas (Fig. 1). Ao completarem o ciclo, os indivíduos morrem e a alta umidade relativa característica de regiões como o Meio Oeste e Serra Catarinense e a Serra Gaúcha favorecem o desenvolvimento de fungos oportunistas sobre os escudos em decomposição (Fig. 2). Esse fungo (Fusarium sp.) não é fitopatogênico e tampouco deve ser alvo de controle, mas a sua fácil visualização (pontos alaranjados visíveis à distância) é o que vem servindo de alerta em várias situações, sendo equivocadamente apelidado de "cochonilha vermelha". Portanto, é fundamental ficar claro para todos os técnicos e produtores a importância do diagnóstico correto e precoce dessa cochonilha-praga nos pomares.

Como detectar a presença do pilho-de-São-José nos pomares?

A detecção da cochonilha PSJ deve ser realizada durante todo o ciclo (especialmente no inverno) por observação direta nas plantas, examinando-se o tronco e os ramos; e na colheita, observando frutos infestados, os quais apresentam manchas avermelhadas características (Fig. 3). Plantas com a presença do inseto em tronco/ramos ou com frutos colhidos com sintomas devem ser marcadas com fitas, delimitando os focos de infestação, aonde serão direcionadas as medidas de controle, principalmente se forem detectados no início das infestações.  O PSJ passa quase todo o seu ciclo de vida sob um escudo natural de proteção (Fig. 4), característico das espécies dessa família, dificultando o controle. A única fase de vida que não está sob essa proteção natural e, portanto, é mais suscetível ao controle químico são as ninfas móveis de primeiro ínstar. Assim, são muito importantes o monitoramento populacional e a identificação dos momentos de reprodução, permitindo direcionar o controle.

No Brasil, não há disponibilidade comercial de feromônio sexual dessa espécie como há, por exemplo, para a Grapholita molesta (Lepidoptera: Tortricidae), lepidóptero-praga de várias frutíferas temperadas. Dada a indisponibilidade do feromônio, a alternativa é a utilização de fitas adesivas (Fig. 5) nas plantas para identificar o momento de maior ocorrência de ninfas móveis. As fitas adesivas (ex.: tipo vinil), de preferência de cor preta para facilitar a visualização das ninfas de cor amarela, podem ser adquiridas em papelarias ou gráficas.

Como controlar o piolho-de-São-José?

Para as frutíferas de caroço, culturas minor crops para as quais há escassez de ingredientes ativos para o manejo fitossanitário, o inverno é a principal época para realizar o controle. São recomendadas uma ou duas aplicações de calda sulfocálcica (original a 32°Bé) em dose mínima de 10% (diluição equivalente a 4°Bé) (Tabela 1). É importante ressaltar que dose de 10% ou superior somente deve ser utilizada em plantas dormentes (com tecidos bem lignificados). O volume de calda deve ser suficiente para cobrir toda a planta e atingir o inseto, que também se abriga em locais de difícil deposição de calda (ex.: embaixo de gemas). Esse volume de calda varia segundo o sistema de condução e a idade das plantas, mas no geral deve ser entre 1000 e 1500 l/ha. Nos pomares com alta infestação, na época de quebra de dormência das plantas (final do inverno), há a possibilidade de utilização de um óleo mineral associado a um inseticida para complementar o controle, desde que respeitado o intervalo de 15 a 20 dias após a aplicação da calda sulfocálcica. Nos trabalhos de pesquisa conduzidos, o Malathion (dose de 150 mL/100 L) se mostrou promissor no controle da praga. Na cultura da macieira, também pode-se trabalhar com metidationa ou clorpirifós nestes tratamentos de inverno. A poda também é um trato cultural que contribui para a redução da população do PSJ nas plantas. Os ramos podados podem ser mantidos nas entrelinhas dos pomares para aumentar a população de inimigos naturais, especialmente de parasitoides.

Um manejo eficiente durante a dormência das plantas (inverno) diminui a pressão populacional do PSJ de modo que se possa otimizar o controle durante a fase vegetativa das frutíferas, com um manejo eficiente de resistência a inseticidas (rotação de produtos com modos de ação diferentes). Nesta fase fenológica, o controle químico em cobertura total deve ser voltado para as ninfas de primeiro ínstar (móveis), que é a fase suscetível do inseto. As gerações destas ninfas migratórias ocorrem, aproximadamente, em outubro, janeiro e março (podendo se estender a abril). Nos tratamentos pré-colheita, em que outras espécies como mosca-das-frutas e grafolita também são alvo de controle, pode-se, por exemplo, fazer rotação de organofosforados como malationa, metidationa (grupo 1B IRAC) com acetamiprido + éter difenílico (grupos 3A e 4A IRAC) para evitar a seleção de populações resistentes. Na pós-colheita em macieira, pode-se também utilizar o pyriproxifen (grupo 7C IRAC).

O uso racional do controle químico evita problemas de inconformidades de resíduos, dada a implementação da lei de rastreabilidade na fruticultura, bem como favorece o controle biológico natural exercido gratuitamente por parasitoides e predadores. Nesse aspecto, merece destacar que alguns predadores (Fig. 6) podem ser facilmente confundidos com pragas como a cochonilha-branca do pessegueiro, se não observados de perto. A distinção entre predador e praga é facilmente realizável a campo, sendo que os indivíduos predadores se locomovem quando tocados enquanto que as cochonilhas são sésseis e, portanto, imóveis.

*Alexandre C. Menezes-Netto1, Valdecir Perazzoli1, Janaína Pereira dos Santos2, Cristiano João Arioli3, Marcos Botton4

1 Epagri, Estação Experimental de Videira, [email protected], [email protected];2 Epagri, Estação Experimental de Caçador, [email protected];3 Epagri, Estação Experimental de São Joaquim, [email protected];4 Embrapa Uva e Vinho, [email protected]

Comentários