Notícias do Pomar

RS: perda de pelo menos 250 hectares de vinhedos

No geral, somente em Pinto Bandeira ? outras frutas, pêssego, ameixa, cana-de-açúcar, olerícolas, laranja, bergamota, milho ? foram pelo menos 345 hectares destruídos


Estimativas das perdas são baseadas em imagens de drones - Por volta das 8h da manhã do dia 1º de maio o produtor rural Alencar Marchetto, estava na frente de casa com o pai, Luciano, a mãe, Zenaide, a esposa Andréia e a filha, Isabelle, de cinco anos. No feriado chuvoso e com muita cerração os quatro adultos observavam a encosta se movimentar lentamente em Linha Clementina, interior de Pinto Bandeira, enquanto a filha brincava.

"A gente ficou olhando. E eu pensei: ela vai parar, ela vai parar e ela não parou, ela veio devagarzinho?Chovia muito nessa hora e tinha cerração, não dava pra ver bem, só as plantinhas de pêssego vindo. Aí eu disse pro pai, ela tá vindo cada vez mais pra baixo, então ela 'se largou' e veio arrastando o parreiral, mas bem devagar, isso levou uma meia hora e a gente ficou por ali. Temos um arroio que passa ao lado e ele começou a ficar cada vez maior, maior, daí em um certo momento estourou alguma coisa e ele veio alto, com uma água turva, preta - acho que deve ter descido mais alguma barreira dentro. A Andréia disse pra sairmos, então fomos no vizinho, o Vilson, que fica a uns 200 metros da nossa casa e contamos isso pra ele, pensamos em subir o morro, mas antes o filho dele, o Tadeu, foi olhar a parte de baixo e disse que 'tava' tudo despencado, então ficamos ali mesmo. Conversa vai, conversa vem, passou um tempinho, daí já era quase 10h30, 11h, e a Nidia, mulher do Vilson disse pra gente ficar e comer junto já que estávamos ali. Aí a gente estava na mesa, almoçando quando ouvimos o barulho da barreira e fomos pra rua, ficamos olhando até despencar tudo do outro lado do rio, o valo do rio é longe".

Esse depoimento do Alencar Marchetto é surpreendente. E surpreende mais falar com ele, ouvir enquanto ele conta isso calmamente, de uma forma que chega quase a ficar engraçada. Marchetto perdeu os dois hectares de uvas que tinha plantados há mais de 30 anos, latadas que deram guarida a diferentes variedades ao longo dos anos, agora Cora e Magda, que eram comercializadas para a Tecnovin. Na verdade, não foi tudo perdido, corrige Marchetto, foi quase: "da Magda ficou um cantinho, foi muito violento mas não levou tudo, arrebentou mas ficou um pouco", diz o produtor, que conclui: "mas é coisa que não tem serventia, tem que fazer tudo novo".

O que aconteceu com Alencar Marchetto no interior de Pinto Bandeira se repete em maior quantidade em Bento Gonçalves, município de onde a Emater traz uma impressionante estimativa: pelo menos 250 hectares de vinhedos foram totalmente perdidos. A informação é de Thompson Didone, chefe do escritório local, com dados que foram levantados na manhã de segunda-feira (06).

É importante contextualizar: de acordo com dados da EMBRAPA Uva e Vinho elaborados com base no SIVIBE, na safra 2022/2023 Bento Gonçalves tinha registrada uma área de 4.430,1 hectares de vinhedos, e Pinto Bandeira, 1.545,5.

"As estimativas das perdas são baseadas em imagens de drones e no relato dos produtores e técnicos", explica. "Visitar in loco é praticamente impossível. Vamos aguardar a permissão da Defesa Civil", diz Didone, que segue: "no geral, entre diversas culturas - outras frutas, pêssego, ameixa, cana-de-açúcar, olerícolas, laranja, bergamota, milho - foram pelo menos 345 hectares destruídos".

As informações sobre Pinto Bandeira, onde foram identificados alguns casos isolados, como o da propriedade de Heleno Facchin, que perdeu vinhedos de Tannat e Merlot de 10 anos, devem ser colhidas nesta terça-feira, se o tempo permitir. "Mas em Pinto Bandeira, pelos dados que me adiantaram, pelo menos 20 famílias foram atingidas - aqui em Bento Goncalves foram mais de 200".

Elson Schneider é presidente do Sindicato Rural da Serra Gaúcha, que tem abrangência de seis municípios: Santa Tereza, Monte Belo do Sul, Bento Gonçalves, Garibaldi, Pinto Bandeira e Carlos Barbosa e nos últimos dias tem lidado diariamente com notícias de pessoas desaparecidas e perdas materiais. "Temos ainda vários amigos desaparecidos, soterrados, aqueles que a casa desceu e não conseguiram sair", lamenta. "Agora estamos ajudando, dando suporte ao transporte de mantimentos, auxiliando como possível".

O presidente do sindicato - que também perdeu um vinhedo nessa catástrofe - diz que as áreas que foram dizimadas têm de ser refeitas, tanto as de uvas viníferas quanto as para suco. "Foram danos desde Pinto Bandeira, toda a costa do Rio das Antas até Roca Sales". São áreas que estavam em locais muito atingidos: pode ter sido uma barreira (deslizamento de terra) que passou pelo meio do parreiral, por exemplo, e tudo foi destruído. O terreno terá de ser limpo e todo o trabalho, refeito.

"Estimamos os danos diretos nos parreirais acima dos 200 hectares, entre 200 e 250 hectares, somente nos municípios de Bento Gonçalves e Pinto Bandeira", contabiliza, "o levantamento ainda não está completo".  Nessa conta não estão os outros quatro municípios que fazem parte da área de abrangência do Sindicato - Santa Tereza, Monte Belo do Sul, Garibaldi e Carlos Barbosa. "Pode ter certeza que há uma probabilidade muito grande de termos mais de 300 hectares de vinhedos atingidos". Estes dados, mesmo que preliminares, já servem para pensar no amanhã. "Temos que reestabelecer a tranquilidade no meio rural, mesmo com as grandes dificuldades que estamos enfrentando".

"Foi uma enchente um tanto diferente da outra de novembro", argumenta Schneider, "vieram as avalanches e com elas os morros abaixo. Foi muita chuva que pesou sobre os morros, aí houve todo esse deslizamento".

Na terça-feira (07), Schneider participou de uma reunião com representantes da Farsul e também da Confederação Nacional da Agricultura. Segundo o líder gaúcho, João Martins, presidente da CNA, já acenou com uma verba de R$ 2 milhões, a ser utilizada na recuperação da região, principalmente no socorro direto às pequenas propriedades, aquelas que foram mais atingidas. No Rio Grande do Sul a Embrapa Uva e Vinho reuniu um grupo de especialistas para discussão e planejamento de ações para auxiliar na reestruturação do setor. "Estamos trabalhando em um diagnóstico detalhado dos efeitos dessa condição extrema, visando caracterizar todas consequências econômicas e sociais, bem como definindo/ajustando as melhores estratégias para garantir a reconstrução e a resiliência dos cultivos nas áreas afetadas", pontua Henrique Pessoa dos Santos, chefe de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa Uva e Vinho.

"As grandes também sofreram, claro. Mas no caso de outras culturas, como a soja, por exemplo, com cerca de 70% colhido, depois de baixar a água é uma questão de limpeza e seguro", explica Schneider.  "Mas no caso da uva e dos pequenos, isso é bem diferente", diz. Pudera: o custo aproximado de um hectare de vinhedo plantado é de cerca de R$ 100 mil, para começar a fazer a colheita somente depois do segundo ou terceiro ano. É um grande investimento, mesmo com financiamento que, com juros, compromete o produtor que já tem diversos outros custos agregados.

Aliado a isso, o setor vem de algumas dificuldades como questões trabalhistas e a Reforma Tributária, que poderá classificar o vinho como um produto que possa ter um custo bastante elevado, aponta Schneider. "Não dá para depender do Governo, precisamos fazer ações diretas", resume.

Schneider segue dizendo que é mais do que hora do setor do vinho se reorganizar, desde a questão do preço mínimo da uva. "Quem tem de fazer pelo vinho é a cadeia produtiva: o viticultor, a indústria, os órgãos representativos, Embrapa, Emater, as cooperativas, as federações", argumenta. "É a união do setor que poderá garantir um desenvolvimento melhor, mais segurança e futuro para o vinho". *Brasil de Vinhos

Vinhedos em Bento Gonçalves destruídos pela maior enchente dos últimos 83 anos - maio 2024 - Foto Brasil de Vinhos

Para encerrar, uma palavra de otimismo do jovem Adelar Marchetto, que trabalha no campo desde sempre e aos 36 anos, está agradecido e pronto para recomeçar: "dois parreiraizinhos a gente dá um jeito", diz, "não tivemos muitas perdas, ninguém se machucou, não tivemos nenhum problema. As casas tão em dia, o carro, o caminhão tá tudo lá, tudo tranquilo, tá tudo certo," diz Marchetto, com serenidade. Foto de topo: propriedade da famíla Marchetto em Linha Clementina, interior de Pinto Bandeira - arquivo pessoal Adelar Marchetto. 

Preços dos alimentos vão subir em função dos temporais no RS - Arroz, leite e derivados, frutas e hortaliças são itens que podem ser impactados

O Rio Grande do Sul vive um momento dramático, com dezenas de mortes e um cenário de devastação estarrecedor. A população tem sofrido com as consequências dos temporais que atingem o Estado desde a semana passada, deixando milhares de pessoas e animais desamparados. Além dos impactos humano e ambiental - que devem ser o foco neste momento para que mais vidas sejam salvas e para que haja o restabelecimento da normalidade o mais breve possível -, a catástrofe, obviamente, terá efeitos econômicos tanto para o Rio Grande do Sul como para o País.

A Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) estima que as perspectivas são de perdas, com efeitos, inclusive, sobre os consumidores, em decorrência de uma eventual pressão nos custos, especialmente dos alimentos. Nenhum setor deixará de ser afetado - no Comércio, nos Serviços, na Industria e no Agronegócio.

Tudo isso considerando que ainda é cedo para se ter uma ideia da real dimensão dos estragos.

Itens mais afetados - O arroz e os derivados do leite são alguns exemplos de itens que devem ficar mais caros por conta da catástrofe. O Rio Grande do Sul é o maior produtor de arroz do País, e, embora pouco mais de 80% da safra tenha sido colhida, ainda não dá para saber se os estoques foram atingidos ou quanto da parcela restante foi perdida. Há incertezas ainda sobre a logística do produto pelas restrições das rodovias.

O mesmo acontece com a criação de gado para produção de leite, que deve ser impactada com a perda de vacas e pasto, além da ingestão, por esses animais, de água sem qualidade, em razão das condições atuais do local.

Outros itens que devem encarecer são as frutas: uva, pêssego e maçã, tradicionais da região, podem ter a produção e o escoamento afetados pela interdição de estradas, impactadas pelos estragos ou pelo deslocamento de caminhões que estão sendo usados para prestar apoio à população atingida.

Nesse caso, os preços, que já estavam em alta desde o ano passado, em consequência de outro fator climático (El Niño), devem sofrer ainda mais pressão. Já no caso das hortaliças, a perspectiva é de falta de estoques nos estabelecimentos durante algumas semanas.

A paralisação da indústria local, seja para o atendimento às famílias, seja por outros fatores, pode levar à falta de suprimentos de inúmeras outras indústrias que utilizam o aço, por exemplo, como matéria-prima.

Para o Turismo, haverá, sem dúvidas, grande efeito: o Aeroporto Internacional Salgado Filho ficará fechado até o fim deste mês, com cancelamentos de voos, até que as operações sejam restabelecidas. O aeroporto é responsável por 3% da movimentação de passageiros pelo Brasil - no mês de maio do ano passado, circularam por ele 540 mil pessoas.

Para se ter uma ideia da dimensão desse evento, a tragédia de Brumadinho, menor e mais localizada, provocou uma queda de 0,2% no Produto Interno do Brasileiro (PIB) em 2019 - mais de R$ 20 bilhões em valores atuais. No Rio Grande do Sul, é muito provável, infelizmente, que os danos causados tenham impacto ainda maior para o PIB nacional. Isso, sem falar, é claro, dos efeitos significativos para a economia e para a população locais. *Agrolink e Assessoria - 08/05/2024

Comentários